Malcolm&Marie: longa debate racismo e relacionamento abusivo

Dirigido por Sam Levinson, filme estreou na Netflix em fevereiro e divide as opiniões do público

Granulado em preto e branco, Malcolm&Marie é narrado em uma única noite, numa única casa, com apenas dois personagens: o casal Malcolm (interpretado por John David Washington) e Marie (interpretada por Zendaya). O que pode parecer simples até aqui, é na verdade um filme complexo, belo e um tanto angustiante.

O longa começa com o casal chegando em casa após o evento de estreia do filme de Malcolm: um diretor de cinema renomado e megalomaníaco. Sua grande estreia foi um sucesso. É o auge de sua carreira. Malcolm, então, serve-se de uma generosa dose de uísque e, durante longos minutos, dialoga consigo mesmo, absorto em euforia, egocentrismo e sarcasmo, dando voltas e voltas na sala da casa luxuosa. É quase como se Marie não estivesse ali, encostada na porta da varanda em absoluto silêncio, fumando um cigarro e ouvindo Malcolm monologar, com ar blasé – porém cheio de atenção. O olhar vago e perdido de Marie entrega em poucos minutos do filme o turbilhão contido dentro da personagem: uma atriz e ex-dependente química.

Engasgada até certo ponto, Marie está magoada; Malcolm a pressiona com veemência, até que ela fale sobre a razão de sua mágoa. Assim como Malcolm, Marie tem a língua ferina e a habilidade de dilacerar usando as palavras. Dessa forma, o diálogo do longa se costura acerca de ofensas ácidas, críticas profundas, confissões cruéis, ironia, declarações de amor passional, cenas sensuais e outras estática e silenciosamente subjetivas.

Ambos intensos e resistentes, Marie e Malcolm discutem cinema, feridas do passado e problematizam mutuamente suas personalidades e ações. O diálogo é denso e dinâmico, exigindo do espectador muita atenção e talvez algum conhecimento crítico a respeito de cinema, jornalismo e pautas sociais como racismo, machismo, relações abusivas, codependência emocional, amores irracionais e suicídio. O diálogo é o elemento principal do filme, desenrolando-se quase que como uma dança dramática, numa cadência violenta, vigorosa e estranhamente elegante.

Não é um filme fácil. Além da complexidade dos temas, há quem possa achar tudo muito tedioso – afinal, o que se tem é basicamente uma conversa, sem muitos acontecimentos, sem uma narrativa comum, estruturada com início, meio e fim. O roteiro é retilíneo e flutuante, causando, em alguns pontos, certa confusão ou cansaço no espectador não acostumado com produções alternativas – ou, até mesmo, naquele que está.

No entanto, há também quem diga que Malcolm&Marie desenvolve com brilhantismo temáticas importantes e é lindo e cortante do início ao fim. O filme, sem dúvidas, não cai no esquecimento. Porém, é o tipo de longa que exige ser assistido mais de uma vez para que se compreenda e se reflita integralmente o que ele comunica.

Em determinados momentos, a linguagem de Malcolm&Marie remete à Nouvelle Vague de Jean-Luc Godard, embora enquadrada num contexto atual, moderno e tecnológico, o que caracteriza um estilo único e maravilhosamente estético. A trilha sonora varia entre Blues, Jazz e ritmos contemporâneos, majoritariamente, acompanhando o aspecto dançante e intenso do diálogo.

Quando um filme gera opiniões tão distintas, torna-se ainda mais interessante assistir para tirar as próprias conclusões. Mas uma coisa é certa: positiva ou negativamente, Malcolm&Marie é sufocante e febril.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima