Livro de Antonio Scurati sobre origens do fascismo joga luz sobre o presente

"M, o filho do século", de Antonio Scurati, retrata a ascensão de Mussolini

“O que ele fareja é uma Itália exausta, cansada da casta política, da democracia agonizante, dos moderados ineptos e cúmplices”. Ele é o Benito Mussolini retratado no livro “M, o filho do século”, do escritor napolitano e professor de Filosofia, Antonio Scurati.

Publicado no Brasil pela editora Intrínseca, o livro venceu o prêmio Strega em 2019, o concurso literário mais importante da Itália, e já vendeu 400 mil exemplares. Mas, sobretudo, reacendeu o debate e reavivou o interesse sobre as origens do fascismo, o período que vai da fundação dos Fasci di Combattimento – os primeiros núcleos dos quais nasceria o partido fascista – à tomada dos plenos poderes por Mussolini, em 1925.

Na Itália, muitos encontraram no livro de Antonio Scurati semelhanças com o cenário político atual: o populismo desenfreado, o fortalecimento da direita autoritária, a busca por um salvador da pátria, a descrença na democracia e na velha política. Ingredientes de um caldo que engrossou também no Brasil e em outros países.

Mas os tempos são outros. Se nos anos 1920 era possível tomar o poder à força com uma marcha sobre Roma conduzida por uma Armada Brancaleone – que o rei Vitor Emanuel III tinha força militar para impedir, mas não quis – o risco hoje é a ascensão da democratura, ou seja, uma democracia autoritária, esvaziada por dentro.

A obra de mais de 800 páginas é o primeiro volume de uma trilogia prometida por Antonio Scurati. De forma parecida com o trabalho feito por Laurentino Gomes na trilogia 1808, 1822 e 1889 e com o mais recente Escravidão, Scurati não escreveu um livro de história, mas um romance documental.

Sobre o fascismo, provavelmente, já se escreveu tudo. Entre os anos 1960 e 1990, o historiador italiano Renzo De Felice compilou mais de 6 mil páginas dividas em quatro volumes sobre o período mais obscuro da história italiana. 

Mas, apesar de não trazer novidades históricas e purgado de uma meia dúzia de erros históricos menores – apontados com precisão pelo professor Ernesto Galli della Loggia no Corriere della Sera -, o livro tem o valor de apresentar os fatos com uma linguagem não acadêmica, que deixa o leitor sem fôlego e ávido por continuar. Como se o desfecho possa de alguma forma ser diferente

Scurati adota o ponto de vista de Mussolini e dos fascistas, mas sem fazer apologia ao fascismo e ao seu líder. A violência das expedições contra os opositores que culmina no assassinato do socialista Giacomo Matteotti, o Mussolini doente por sexo, o oportunismo político que o leva a dizer uma coisa e o seu exato contrário no dia seguinte, estão contados em detalhes.

Ex-diretor do jornal socialista Avanti! e expulso do Partido Socialista por ser favorável à participação da Itália na Primeira Guerra, Mussolini foi por anos um pária da política. Em 1919, após o conflito, encabeçou das colunas de seu novo jornal, Il Popolo d’Italia, a resistência contra o risco da revolução socialista que pairava sobre o país. Em pouco tempo, a pregação da restauração se tornou violência física.

No pós-guerra, longas e frequentes greves de operários e campesinos agitavam a Itália e alimentavam entre indústriais, burgueses, liberais e católicos, o fantasma da revolução comunista, que em 1917 havia eclodido na Rússia. Os Fasci di Combattimento surgiram com esse fim: restaurar a ordem nos campos e nas cidades por meio da violência contra líderes sindicais e integrantes dos partidos da esquerda.

Uma violência purificadora, que nos primeiros anos foi apoiada por grande parte dos moderados, do filosofo liberal Benedetto Croce ao senador e diretor do Corriere della Sera, Luigi Albertini. Uma violência que a esquerda, apesar de controlar as massas operárias e rurais, não conseguiu conter pelas lutas internas. Uma violência que foi saudada com favor pela maioria silenciosa, cansada da velha política e ansiosa de voltar a ter uma vida tranquila após a guerra.

“Eu sou o homem do ‘depois’. E faço questão de ser”, pronunciou Mussolini no discurso de fundação dos Fasci di Combattimento, em março de 1919, em Milão. Diante havia cerca de cem homens, sobretudo veteranos de guerra. “É com esse material decadente – com essa humanidade residual – que se faz a história”, escreve Antonio Scurati. 

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