Jocy de Oliveira fala sobre Stravinsky, Berio e sobre ser ignorada por Curitiba

Compositora e pianista deu entrevista exclusiva ao Plural

Jocy de Oliveira é provavelmente a compositora de música erudita contemporânea mais importante do Brasil – além de ser uma pianista de renome internacional, que tocou com os mais importantes regentes do mundo. Em entrevista ao Plural, ela fala sobre sua carreira, sobre a convivência com Stravinsky, Berio e Messiaen e sobre a falta de interesse de Curitiba por sua obra.

Como foi ver o sucesso do teu disco “A Música Século XX de Jocy”, relançado agora em vinil. A que você credita a procura pelo álbum mais de 50 anos depois do lançamento?

Durante este período e principalmente nos últimos 15 anos houve sempre muita procura por este disco e apareceram alguns piratas reproduzindo algumas faixas. Este LP é considerado o segredo mais bem guardado da música popular brasileira. Haja vista as dezenas de livros sobre a bossa nova no decorrer de mais de cinquenta anos escritos pelos ilustres críticos, pesquisadores e historiadores brasileiros que mantiveram os lábios selados… No entanto, certamente ele antecedeu a bossa nova e a chamada tropicália…

Tua carreira foi marcada por vários encontros importantes. Queria perguntar sobre alguns deles especificamente. Como foi tua relação com o Luciano Berio? Até onde ele tem influência tua obra?

Meu livro “Diálogo com Cartas” dedica um longo capítulo ao meu Encontro com Luciano Berio, assim como concebi uma ópera multimídia  (Berio sem censura, lançada em DVD como “Meu encontro com Luciano Berio”, lançado pelo SESC SP e NAXOS Video Library) relatando a importância desta vivência. Sem dúvida houve uma influência importante, assim como de outros grandes mestres com quem tive a oportunidade de conviver quando muito jovem. Quanto ao Berio, duas foram as obras que marcaram: em primeiro lugar nossa parceria na criação de “Apague meu spot light” (meu roteiro e música eletrônica de Luciano Berio e minha.) Uma peça de teatro-musica que representou a primeira apresentação de música eletrônica no Brasil em 1961 e teve participação de atores do Teatro dos Sete com Fernanda Montenegro, Sergio Britto, entre um grande elenco. A outra peça importante durante esta longa convivência foi a “Sequenza IV” para piano de Berio, que foi escrita para mim e que executei em estreia mundial nos Estados Unidos em 1966.

Outra relação invejável foi com o Stravinsky. De onde surgiu essa oportunidade e como eram as conversas entre vocês?

Stravinsky foi o fato mais marcante de minha vida artística como pianista. Tive a oportunidade de privar da amizade dele, de sua esposa, Vera, e de seu maior interprete e colaborador – Robert Craft. Este relato também compõe um longo capítulo de meu livro “Diálogo com Cartas”, publicado também na França pela Editions Honoré Champion e com um capítulo também publicado em Genebra no livro da Fundação Stravinsky “Abecedaire Stravinsky”.

Por último, queria saber mais sobre o Messiaen. Até onde sei, você foi uma ponte importante entre a obra dele e o Brasil. Como você conheceu a obra dele?

Não houve nenhuma ponte entre Messiaen e o Brasil. Eu o conheci em Paris e nos Estados Unidos.Durante sete anos estudei e executei a monumental obra para piano dele gravando em Nova York para a VOX seus maiores ciclos (“Catalogue d”Oiseaux” e “Vingt Regards sur l’Enfant Jesus”) e tocando suas obras para piano e orquestra nos Estados Unidos, Europa e Brasil. Para mim, foi uma contribuição que deixei para a documentação da música contemporânea. Hoje essas gravações são  distribuídas pelo selo NAXOS.

Ouvir os depoimentos dos músicos sobre tuas composições chega a ser comovente. O respeito e o carinho que existe por tua obra. Ao mesmo tempo, a gente sabe que música contemporânea ainda acaba ficando muitas vezes restrita a um grupo de “happy few”. Por que isso acontece? E você hoje vê uma tendência de reversão nisso?

Não acho que seja um grupo de happy few. É curioso como a demanda por minha música vai também ao encontro dos jovens compositores e músicos da eletrônica pop. Assim têm sido esses relançamentos  de meus LP dos anos 60/70/80.

Como era teu relacionamento musical com o Eleazar de Carvalho, um maestro que não parecia tão aberto ao novo e às vanguardas. Existia alguma dificuldade nesse sentido?

Acho que tive uma influência no seu interesse pela música contemporânea. Isso começou  quando  ele era regente da St. Louis Orchestra em St. Louis (entre 1963 e 1968) e decidiu renovar o repertório sinfônico tradicional de sua orquestra

Olhando aqui de Curitiba, a gente tem a impressão de que a cidade nunca reconheceu muito o teu valor, tua obra. Como é tua relação hoje com a cidade?

Tenho laços afetivos do passado, das tristes perdas como minha avó, meu pai que muito me afetaram. Quanto à minha música, não parece interessar muito ao Paraná. Tenho muita demanda de outros estados do Brasil e devo a realização de meus importantes projetos a S. Paulo e Rio de Janeiro, onde sempre encontro uma acolhida. 

Quais são os teus próximos planos? Algum outro relançamento em vista?

Sim, uma nova ópera cinemática, ou melhor um novo filme de longa-metragem que está pronto para ensaios e para começar a rodar. Além disso, três lançamentos e relançamentos de minha música das décadas de 70/80 e participar da filmagem de um documentário sobre minha obra que será feito pelo cineasta Dacio Pinheiro e com a coordenação musical de Paulo Beto. Uma dobradinha entre Berlim e São Paulo. 

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima