Garibaldis e Sacis, há 20 anos abrindo alas pro carnaval de Curitiba

Garibaldis e Sacis completa vinte anos de trajetória deixando o carnaval de Curitiba mais feliz

De roupa e touca feitas com lacre de latas de metal, ela aguarda sentada em uma das poltronas do Shopping Pátio Batel. “Estou me sentindo um pouco deslocada”, diz Silvia Bobek, catadora de materiais recicláveis há 37 anos e fiel seguidora do Bloco Garibaldis e Sacis.

Ela chegou duas horas antes do começo da apresentação que o grupo fez na última quarta-feira, 27 de fevereiro, no shopping. Está sem maquiagem e com olhar triste. “Estou desanimada porque o carnaval já está acabando”, comenta, sofrendo por antecipação.

Festa no Novo Mundo: levando a festa para os bairros. Foto/ Júlio Garrido.

Visual e estado de espírito completamente diferentes do que tinha na saída do Garibaldis e Sacis na Avenida Marechal Floriano, no último domingo antes do Carnaval. Lá, ela também foi a primeira a chegar.

Difícil não notar

Eram 13h30, fazia um sol de assustar curitibano e Silvia já estava de panfletos na mão e sorriso no rosto. Tinha um coque feito de latas de refrigerante na cabeça, espetado por uma agulha de tricô e uma saia feita com lacres de latinha reciclável, lembrando um dos personagens ícones das ruas de Curitiba: a poeta e artista plástica Efigênia Rolim. “Gostou da minha roupa, né!”, comenta vaidosa.

Empolgadíssima, ela conta que faz seis anos que acompanha o Garibaldis. “Eles me tiraram da solidão”, diz Silvia que vive sozinha. Completamente sozinha. Não conheceu o pai e fugiu da mãe para casar com um “cara do circo”. Não tem filhos, irmãos, tias ou primos. E não sabe se a mãe ainda é viva.

Ela ficou sabendo do bloco pela vizinhança. “Eu gosto de saracotear e o pessoal do bairro comentou, eu vim ver de perto e nunca mais deixei de vir. Agora já faço parte”. E faz mesmo. Assim que vão chegando os outros componentes do grupo, Silvia vai ganhando beijos, abraços e sorrisos.

E esse é o espírito do Garibaldis e Sacis. “Quem quiser participar é só chegar. Claro que a gente pede que a galera ensaie e tal, até porque fica mais bonito quando todo mundo está afinado, sabendo as músicas. Mas se não puder, não tem problema, é só chegar”, explica Pedro Solak, presidente do bloco e mestre da bateria.

Um coração que bate no ritmo do carnaval

“Eu era bem pequeno quando organizei minha primeira festa de carnaval em Telêmaco Borba. Depois disso, nunca mais deixei de viver o carnaval e a cultura popular”, relembra Solak.


“Isso aqui está para além da minha vida”, sintetiza, mostrando o filho João, de 12 anos e que há 12 anos participa das atividades do Garibaldis e Sacis.
Em 2016 Pedro casou com Nathalie Cunha Solak, que também faz parte do bloco, em cima do trio elétrico, com direito a juiz de paz, padrinhos e marcha nupcial tocada pela bateria. Pelo menos 30 mil pessoas testemunharam a união. Pedro é o único fundador que ainda participa da administração do Garibaldis.

A que horas ele vem?

“Isso é um mistério, mas você vai saber quando ele estiver aqui”, responde Solak sobre a presença de Itaercio Rocha, também fundador e o espírito do Garibaldis. Minutos depois, uma voz forte e debochada anuncia que “quem quiser pode dar uma chupadinha na mamadeira de piroca… quer dizer, de catuaba”. Era ele. Imponente, turbante dourado na cabeça, saia rodada branca, batom vermelho.

O carnaval chega ao Sítio Cercado. Foto: Júlio Garrido.

Se o Garibaldis e Sacis fosse uma pessoa, com certeza seria Itaercio Rocha.
Há quatro anos, o multiartista, como gosta de ser chamado, não participa administrativamente do bloco. Mas não consegue ficar longe. De cima do trio, com outros quatro cantores, puxa várias marchinhas. Muitas delas, composições próprias. “Isso aqui é a grande farra da diversidade brasileira que é o carnaval”, sintetiza. 

Itaercio é o idealizador do bloco Garibaldis e Sacis. Maranhense, veio parar em Curitiba “para viver uma história de amor”. Era 1996. Dois anos depois, organizou uma festa de carnaval em casa e convidou alguns amigos também ligados e apaixonados pela cultura popular. 

Foi aí que surgiu a ideia e a vontade de espalhar a alegria do carnaval pela cidade que, depois de 23 anos, já é dele também. “Eu e o Odílio [Malheiros] fomos os anfitriões, aí veio a Olga Romero, Simone Magalhães, a galera do Grupo Mundaréu e mais um povo que adorava Carnaval. Dois anos depois, colocamos o bloco na rua”, relembra Itaercio.

A “Primeira Reunião Ordinária do Clube Carnavalesco do Largo da Ordem” foi no dia 16 de janeiro de 1999. Nesse mesmo dia, o clube passou a se chamar Garibaldis e Sacis. A escolha do nome foi feita de maneira democrática e eleita entre opções como: Ensaia mas não sai, Pirão com polenta e Ordem no Largo. A sugestão vencedora foi feita por Olga Romeu, uma argentina que vive há 45 anos no Brasil.

Olga Romero, Marcio Abreu e Iara Cruz em 1998: prelúdio dos Garibaldis. Foto: Acervo pessoal.

“A ideia foi uma referência ao trajeto que faríamos, saindo do bar onde nos reuníamos e indo até a Sociedade Garibaldi”, conta a bonequeira, atriz e escritora. Depois que o bloco foi para a Avenida Marechal, Olga não saiu mais com os Garibaldis. Por quê? Ela diz que foi muito feliz com o bloco e cita um poema em resposta: “Amei e fui amado. O sol beijou-me a face. Vida, nada me deves. Vida, estou em paz”, do poeta mexicano Amado Nervo.

A sugestão de Olga ficou “registrada numa ata poética, escrita no papel jornal que ficava em cima da mesa do bar”, relembra Itaercio.

A primeira ata foi escrita pelo secretário geral do recém fundado Garibaldis e Sacis, Arioswaldo Cruz. “A primeira e única. O Ita (Itaercio) dizia que ata é coisa antiga e que bloco tem que ser uma coisa mais solta”, relembra o músico que é também autor do hino oficial do bloco, entre outras composições.

Hino

“Vamos levar nossa alegria por aí
Vamos brincar com Garibaldis e Sacis
Vamos levar nossa alegria por aí
A nossa turma vem só pra se divertir”

“A ideia era, e ainda é, levar alegria e mostrar que Curitiba gosta sim de carnaval. A festa precisa só ser anunciada, lembrada e curtida. Nós saíamos pelo Largo convidando as pessoas à alegria. E essa alegria cresceu e se multiplicou. Hoje Curitiba tem quase 20 blocos de pré-carnaval, graças à sementinha do Garibaldis”, comemora Itaercio.

O bloco foi crescendo e a aparelhagem de som evoluindo. Em 20 anos, tiveram megafone, caixa de som em carrinho de supermercado, Kombi de porta aberta pelo Largo da Ordem até parar no trio elétrico. Atualmente, sempre no domingo que antecede o Carnaval, o Garibaldis e Sacis encerra as festas de pré-carnaval da cidade na Avenida Marechal Floriano.

A maioria das músicas do bloco é de artistas locais. E são muitas músicas.
O bloco, inclusive, já gravou dois CDs.


Falando em dinheiro…

A primeira apresentação desta temporada foi no dia 28 de outubro. Desde então, é uma festa atrás da outra. “Quando chega março, o pessoal não quer mais saber de carnaval”, brinca o músico.

E hoje, além das saídas pelo centro de Curitiba, o Garibaldis e Sacis faz apresentações por outros bairros da cidade. “Um desejo antigo que se tornou realidade: descentralizar e levar essa alegria pra quem, muitas vezes, não tem condições de pegar um ônibus e vir até o centro pra se divertir”, fala Marcel Cruz, um dos cantores do bloco e também um tipo de faz-tudo dentro do Garibaldis.

Para fazer acontecer são necessários vontade e dinheiro. Vontade, não falta. Pelo menos não pro pessoal da  ARCAGS (Associação Recreativa e Cultural Amigos do Garibaldis e Sacis), um grupo de 12 pessoas. Já o dinheiro… “Próprias Custas S/A, já ouviu falar?”, brinca Marcel.

Até 2012 a grana que movimentava o bloco vinha dos próprios foliões. Nos três anos seguintes, gestão do então prefeito Gustavo Fruet, houve um investimento do município. “Primeira vez que a gente recebeu um dinheiro”, afirma Cruz. 

“Um dinheiro considerável pra quem não recebia nada. Tanto que a gente conseguiu fazer esse dinheiro aumentar, com eventos, camisetas e ele durou até o ano passado”, explica Solak.

Em 2014 o bloco, que até então só se apresentava no Largo da Ordem, passou a se apresentar no Avenida Marechal Floriano Peixoto, entrando para o calendário oficial de eventos de Carnaval de Curitiba.

Três anos depois o grupo levou um calote de uma produtora que ficou responsável pelo evento. Recebeu da prefeitura, mas não repassou o dinheiro para o Garibaldis. “Até hoje, hashtag fica a dica (ou #ficaadica), paga a gente aí”, diz Solak rindo, mas de nervoso. 

Uma outra forma de levantar dinheiro para o caixa do bloco é com as apresentações em eventos, como em shoppings da cidade, como o da última quarta-feira no Shopping Pátio Batel. A iniciativa recebe críticas. “Tem muita gente que vê a gente fantasiado no shopping e fala que a gente é vendido. Mas com a grana que a gente recebe aqui, nós fazemos as camisetas que serão vendidas no ano que vem e que vai levantar uma graninha para o próprio bloco”, retruca.

HÁ HÁ HÁ, Carnaval de Curitiba precisa de alvará

Se driblar o orçamento é um desafio pra galera que puxa o Garibaldis, lidar com a papelada não fica por menos. Assim que o número de foliões começou a aumentar, o máximo de trabalho burocrático que o bloco tinha era enviar um email à prefeitura e à Polícia Militar informando que os eventos seriam realizados. Só. Mas daí o evento foi crescendo, mais gente foi chegando e, quanto mais pessoas, mais burocracia. “Nós não somos uma empresa”, esclarece Solak.

E este ano, pela primeira vez, para a apresentação na Marechal, o grupo ficou responsável por, entre outras tarefas burocráticas, conseguir o alvará dos bombeiros. Uma autorização determinante e que só foi assinada no domingo, horas antes de começar a festa. “Deixa a gente ser feliz, deixa a gente fazer os outros felizes”, desabafa, entre lágrimas, Pedro Solak.

Podia ser vingança, mas é arte

Uma das marchinhas de autoria de Pedro Solak é inspirada em uma entrevista do músico Marcelo Yuka, fundador do grupo Rappa, que morreu em janeiro deste ano. A composição de Pedro foi apresentada aos músicos do Garibaldis no mesmo dia em que Yuka faleceu.

“Era época de eleição e Marcelo falava sobre as pessoas confundirem justiça com vingança e, por isso, ele apoiava os movimentos de rua. Quando ouvi aquilo me veio uma marchinha na cabeça: Podia ser vingança, mas é arte. E a resistência é por aí”, finaliza o presidente e mestre da bateria do Garibaldis e Sacis.

Todos os vídeos são de Fernando Cavazzotti.

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