“Um Intruso no Porão” é uma kafkaesca descida à insanidade

Parte de festival francês, filme é fascinante conto sobre um mal dos nossos tempos

A ascensão da extrema direita pelo mundo trouxe à luz algumas das ideias absurdas que povoam o subsolo dos pensamentos extremistas e que não derivam da ignorância, mas da sistemática tentativa de reinventar a realidade social que vivemos. A prática de dispensar fatos como opiniões é o principal tema de Um Intruso no Porão, em cartaz no Festival Varilux de Cinema Francês.

Com direção de Philippe Le Guay, que também assina o roteiro ao lado de Gilles Taurand e Marc Weitzmann, Um Intruso no Porão acompanha Simon Sandberg (Jérémie Renier), que decide vender o porão de seu imóvel em Paris, propriedade da família há gerações, para o simpático ex-professor de História, Jacques Fonzic (François Cluzet). Porém, depois que a venda é efetuada, Simon, cuja família é judia, descobre que Fonzic é um militante de extrema direita e negacionista do Holocausto e que o homem não usa o porão como depósito, mas como residência. Por respeito à história de sua família, Simon tenta desfazer a venda e a convivência com Fonzic se deteriora até que o ex-professor se transforma em uma ameaça para os Sandberg.

Um Intruso no Porão é uma kafkaesca descida à insanidade, que empresta muito de seu roteiro do atual momento vivido pela nossa sociedade. Quando se vê na posição de precisar defender acontecimentos verídicos e comprovados, Simon se perde no absurdo da situação e não consegue se adequar a esta nova realidade em que a própria realidade é questionada.

Seu envolvimento pessoal com a História que Fonzic rejeita o leva lentamente ao ponto de ruptura. Seu apartamento foi expropriado em 1942 pelo regime que ocupava Paris na época, seus antepassados foram denunciados aos nazistas, perseguidos e presos. Simon tem familiares que morreram em campos de concentração e esta história, preservada por sua família nas paredes de seu apartamento, é desrespeitada a cada encontro com Fonzic, que se instalou em um porão que serviu de refúgio para judeus perseguidos pelo regime nazista. Até seu direito à propriedade é questionado quando Fonzic envia aos vizinhos uma cópia da escritura da propriedade emitida quando o apartamento foi tomado pelo regime nazista.

Enquanto a instabilidade de Simon aumenta, Fonzic invoca simpatia ao argumentar sobre mentes questionadoras e pensamentos livres. Seu discurso parece fazer sentido até que, quando confrontado com provas de que o Holocausto de fato aconteceu, ele recorre a insultos e revela sua verdadeira natureza: um antissemita xenofóbico, que acredita que seus infortúnios são culpa de minorias sociais que supostamente dominam o mundo. A escolha de atormentar Simon deriva disso: ele quer trazer o maior sofrimento possível, seja negando a História, influenciando a mente da jovem Justine (Victoria Eber), filha de Simon, ou aterrorizando a família com lembranças constantes do destino terrível de seus antepassados.

Com 1h54, Um Intruso no Porão é um fascinante conto sobre um mal dos nossos tempos. Aqueles que não conhecem seu passado estão condenados a repeti-lo e a memória do Holocausto representa isso: uma tentativa de alertar o mundo sobre os horrores que a humanidade pode infligir sobre si mesma. 

Serviço

Festival Varilux | Um Intruso no Porão (2021)

Cine Passeio: 14.12, às 19h30

Cineplex Batel: 05.12, às 18h15 | 06.12, às 14h30

Cinépolis Pátio Batel: 02.12, às 14h00 e às 21h00 | 07.12, às 16h45

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