Em “Noite Passada em Soho”, a nostalgia é um sentimento enganoso

Filme que estreia nesta emana oferece uma interessante excursão ao charme dos anos 60

Quando divergências nos bastidores afastaram Edgar Wright da direção de Homem-Formiga (2015), ainda foi possível observar no produto final a influência do diretor e lamentar o filme que poderia ter sido. O britânico tem um estilo marcante que conquista seguidores desde Todo Mundo Quase Morto (2004) e, embora não arrecade bilhões em bilheteria, seus filmes têm uma tendência a se tornarem populares em alguns anos. Sua mais recente realização é Noite Passada em Soho, dirigido por Wright e cujo roteiro o diretor assina ao lado de Krysty Wilson-Cairns.

O filme acompanha Ellie (Thomasin McKenzie), uma jovem aspirante a estilista que se muda para Londres para estudar moda. Ellie tem um dom especial que permite que ela veja os espíritos de pessoas que já morreram. Exausta pela convivência com as extrovertidas colegas de faculdade, Ellie aluga um quarto na casa antiga da senhora Collins (Diana Rigg), e lá passa a sonhar com Sandie (Anya Taylor-Joy), uma jovem cantora dos anos 60 que buscava a fama. Ellie se diverte com as glamorosas aventuras de Sandie até perceber que a mulher em seus sonhos não teve a vida maravilhosa que ela imagina.

Noite Passada em Soho constrói seu universo apoiando-se na nostalgia. Ellie ouve exclusivamente músicas antigas, se inspira nas décadas passadas para desenvolver seu trabalho e acredita que os melhores anos já se foram. O mundo de Sandie é atrativo para ela porque Sandie vive o que Ellie gostaria de viver, se veste como ela gostaria de se vestir e se comporta como ela gostaria de se comportar. A Londres de Sandie, em uma primeira visita, não convida apenas Ellie. Nós também queremos estar naqueles salões, dançando com Sandie e pedindo drinks com nomes complicados. Aquele mundo parece ser melhor do que o Ellie e do que o nosso. Tudo é colorido, com lentes neon e belas mulheres dançando.

Porém, a nostalgia é um sentimento enganoso. O passado é atrativo porque seus problemas são esquecidos em favor dos bons tempos, mas um olhar crítico pode iluminar complicações há muito ignoradas. Este é o alerta de Noite Passada em Soho, que dedica seu segundo ato a descontruir o maravilhoso mundo de Sandie. É neste momento também que o filme se volta para o tema da violência contra mulheres – em todas as suas instâncias – e se transforma em um desencontro de roteiro e imagem, já que, mesmo quando avança para o terror, não se torna sombrio o suficiente para o que se propõe a discutir.

Enquanto o roteiro sofre com a falta de autenticidade nas experiências vividas pelas protagonistas e as transições entre gêneros cinematográficos, a direção de Wright unida à cinematografia de Chung-hoon Chung tornam Noite Passada em Soho um filme belo e divertido, apesar da temática complexa.

Com 1h56 de duração, Noite Passada em Soho oferece uma interessante excursão ao charme dos anos 60, mesmo quando quebra este encanto com fantasmas que assombram estas lembranças dissimuladas.

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