Almodóvar tem de fato uma percepção notável do universo feminino

“Mães paralelas” traz atuação espetacular de Penélope Cruz e mostra como são complexas as mulheres que habitam os filmes do diretor espanhol

Em “Mães Paralelas” (2021), o cineasta Pedro Almodóvar retoma o que há de mais fascinante em sua obra: uma percepção notável das complexidades do universo feminino. Em drama, comédia e, claro, quando aborda a questão sexual, o diretor espanhol apresenta mulheres que não estão no comando político e econômico de uma sociedade machista, com homens mostrados como indiferentes, egoístas e abusadores. Muito pelo contrário, elas são fotógrafas, atrizes, bailarinas, escritoras e chefs de cozinha.

Essa abordagem não significa que elas sejam incapazes de ocupar influentes cargos políticos e de gestão na sociedade capitalista. Almodóvar sabe muito bem disso, mas quer afastá-las desse mundo carregado de ganância e interesses ocultos – e assim, com uma lente de aumento, investigar as almas femininas em um estado mais “puro”.

A vida, do início ao fim

E ele consegue de novo, de maneira admirável, em  “Mães paralelas”, colocando-as à frente de um projeto que tem o objetivo de garantir dignidade à memória de pessoas mortas pela ditadura. Mas não só: elas também dão à luz filhas e filhos, completando uma dinâmica que vai do início ao fim da vida. Sempre elas.

Mas, nessa história, o diretor espanhol trata também de um tema que até então explorou de forma sutil: a política espanhola com um passado autoritário e violento.

A protagonista de “Mães Paralelas” é Janis, interpretada por Penélope Cruz, em seu sétimo trabalho com o diretor. A personagem é uma fotógrafa e, na abertura do filme, ela realiza um ensaio fotográfico com Arturo (Israel Elejalde), um arqueólogo forense.

Após a sessão de fotos, Janis faz um pedido especial a Arturo: interceder ao governo espanhol para realizar a identificação dos restos mortais de algumas vítimas da Guerra Civil Espanhola, assassinadas pelo governo fascista de Francisco Franco e enterradas como indigentes em uma cova coletiva. Entre os mortos, está o bisavô de Janis. O objetivo é permitir que descendentes deem um enterro digno a seus familiares.

O governo da Espanha, entretanto, não tem interesse em financiar o projeto, e Janis e Arturo buscam o apoio de uma fundação para realizar o trabalho.

Janis e Arturo viram amantes e ela engravida. O arqueólogo, casado, pede a interrupção da gravidez, mas a fotógrafa decide ter a criança.

Penélope Cruz

Interessante destacar como Almodóvar realiza essa primeira parte do filme. Já nos primeiros minutos, o diretor põe o espectador em contato íntimo com os dois personagens, enquanto eles discutem o projeto. O som da voz dos atores é destacado e muito claro, e os personagens explicam os detalhes da empreitada com nitidez, e há um silêncio no ambiente, cortado algumas vezes pela trilha sonora de Alberto Iglesias, que evoca uma atmosfera de suspense. O cineasta emprega um forte tom de mistério a esses momentos, envolvendo o espectador atento, já capturado pelo filme e pelas personagens – em especial pela de Penélope Cruz.

Ah, Penélope! Estamos tão perto de você nesse filme, acompanhamos suas angústias e sofremos com você. Queremos te abraçar e conversar com Janis, personagem tão viva. Você, Penélope, prova mais uma vez que é a atriz de língua não inglesa de maior prestígio do cinema. É uma “estrela estrangeira” das telas, como Catherine Deneuve e Sophia Loren nos anos 60 e 70.

Dois partos

Na maternidade, pronta para o parto, Janis conhece Ana (Milena Smit), também prestes a ter um filho. Elas trocam telefones para se encontrar no futuro. E o parto das duas ocorre ao mesmo tempo.

A partir desse momento, Almodóvar emprega uma de suas maiores habilidades roteirista: conduzir a história de forma engenhosa, com reviravoltas e surpresas. Mas não é para o divertimento superficial do espectador, pois o público fica penalizado com as cruéis possibilidades que o rumo dos acontecimentos pode render às duas personagens. E, como mães, amigas e mulheres, a conclusão dos eventos será devastadora.

Mães paralelas”

O filme de Pedro Almodóvar está em cartaz no Cine Passeio e estreia na Netflix no dia 18 de fevereiro, uma sexta-feira. O filme tem duas indicações ao Oscar 2022, nas categorias de atriz para Penélope Cruz e de trilha sonora original para Alberto Iglesias.

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