Filme faz humor com tragédia argentina

“A odisseia dos tontos”, um baita sucesso nos cinemas argentinos, reúne o ator Ricardo Darín e o diretor Sebastián Borensztein, os mesmos de “Um conto chinês”

Se a gente vive num mundo em que dá pra ir ao cinema e ver o filme novo do Ricardo Darín, e esse filme por sinal é dirigido pelo Sebastián Borensztein, então esse mundo não pode ser tão ruim assim. O filme, “A odisseia dos tontos”, é uma das estreias desta semana.

A importância de Darín e Borensztein se explica porque os dois juntos fizeram “Um conto chinês” (2011), um dos melhores filmes dessa década (não um dos melhores filmes argentinos, mas um dos melhores, ponto). O ator e o diretor conseguem equilibrar humor e tristeza de um jeito que torna o filme irresistível – ao menos para quem gosta de histórias agridoces.

“A odisseia dos tontos” também é agridoce, em parte porque faz humor com a tragédia financeira da Argentina em 2001, quando os bancos congelaram as contas e foi estabelecido um limite de saque semanal irrisório de 250 pesos. O país foi à bancarrota.

Nesse contexto, Fermin, o personagem de Darín, é um homem de certa idade que investe tudo que tem numa ideia que pode mudar a cidadezinha onde mora. Ele e a esposa Lidia querem montar uma cooperativa comprando e reestruturando o espaço que armazenava a produção dos agricultores da região, muitos anos atrás, mas que hoje está caindo aos pedaços. A empreitada tem potencial para dar emprego a dezenas de pessoas – numa cidadezinha, esse número é significativo –, o porém é que ele precisa levantar o valor de 300 mil dólares a fim de colocar o plano em prática.

E Fermin, com a ajuda do amigo Antonio (Luis Brandoni), passa o chapéu pela cidade, falando com todo mundo que têm algum interesse no projeto. No fim, eles conseguem reunir pouco mais de 150 mil dólares, uma pequena fortuna, e o restante viria por meio de um empréstimo no banco.

De acordo com a lógica do Fermin, “tonto” é todo aquele que trabalha muito para sobreviver, procura fazer as coisas direito, mas parece que está sempre patinando. Tontos somos todos nós, enfim.

Pois Fermin vai conversar com o gerente do banco, em quem confia. Primeiro, o sujeito o convence a depositar todos os dólares em dinheiro vivo que ele havia reunido com os sócios da cooperativa (guardar dólares em espécie, em casa, é um esporte nacional na Argentina). No mesmo dia, pouco depois, o governo anuncia o corralito, ou “cercadinho”, que congelou as contas e impediu os argentinos de mexer em seus dinheiros – a não ser pelos 250 pesos semanais.

Pela primeira vez, Darín trabalha em um filme ao lado do filho, Chino Darín. (Divulgação)

Fermin fica arrasado. O projeto da cooperativa emperra e todos os envolvidos sofrem com ele. O gancho do filme aparece quando Antonio descobre, com a ajuda de um rapaz que trabalha como caixa no banco, que o gerente fez uma mutreta e, sabendo do corralito com antecedência (só os tontos não têm informação privilegiada), arranjou todos os dólares que conseguiu para beneficiar outro cliente, o endinheirado Manzi (Andrés Parra), um nome que aparece pouco na história porque todo mundo prefere se referir ao cara como “o filho da puta”.

Então começa a trama de vingança. A trupe dos tontos descobre que o filho da puta guardou todos os dólares em um cofre, no meio do mato. O plano é acessar esse cofre e recuperar o dinheiro da cooperativa. Você pode imaginar o que acontece, mas isso não o impede de se divertir um monte com o filme.

“Um conto chinês”, sobre uma amizade improvável entre o dono mal-humorado de uma loja de ferragens em Buenos Aires e um imigrante chinês que não fala uma palavra de castelhano, é um filme sensível e comovente. “A odisseia dos tontos” não tem a mesma sensibilidade, parece mais despretensioso e consegue cercar os percalços financeiros com humor.

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