Enio Carvalho vai fazer falta

Grande nome do teatro e da tevê faleceu aos 80 anos

Em meados de 1993, havíamos estreado a peça “Sangue Para Uma Sombra”. Ainda com minha antiga companhia, a Cia das Aqualoucas. Uma adaptação de Gato Preto e William Wilson, de Edgar Allan Poe. Eu brincava que estava dirigindo um monólogo com cinco atores pois apenas um tinha falas: Enio Carvalho. Os demais do elenco: Janja Rosa, Demian Garcia, Cinthia de Andrade e Jeanine Rhinow mais do que contracenavam. Tinham o privilégio de testemunhar em cena o trabalho de um dos mais incríveis atores da cena curitibana.

Em uma noite, após a apresentação, o Enio nos convidou para um jantar em seu apartamento. Além da equipe, estava também a Ivanise Garcia, mãe do Demian e professora de toda uma geração de artistas curitibanos. Este que vos escreve inclusive. A “Iva” conhecia o Enio desde a época que ainda moravam em Porto Alegre. “Foi o Enio que inclusive incentivou a Ivanise a passar de professora de história geral para professora de História do Teatro”, lembra o Demian apontando para um entre diversos movimentos de irradiação e mudança que o Enio criou.

Após o Jantar, o Enio mostrou algumas fitas VHS de com cenas das novelas que havia feito. O rosto de um jovialíssimo Enio manobrando um buggy ao estilo playboyzinho fez a gente rir daquele vídeo em preto e branco. O Enio gargalhava deliciosamente com vaidade assumida. Um ator experiente incrível ensinando e apoiando artistas ainda tentando começar algo como eu e meus colegas ali. Esse era o espírito do Enio. “Ele sempre transpirou uma energia muito boa”, lembrou o Demian.

Enio ganhou o Troféu Gralha Azul de Melhor Ator por “Sangue para uma Sombra”. Como diretor, o prêmio é enorme em ver a colaboração reconhecida. Pra mim, que era fã do Enio, tinha um valor mais que especial.
Um ano antes ele havia preenchido o Guairinha interpretando nada menos que “Lúcifer”, na célebre montagem de Edson Bueno. Pouco antes ainda, mesmerizou o público como o Juiz de “Bruxas de Salém” sob a direção de Marcelo Marchioro.

Existe uma tradição, nem sempre executada, chamada “enterro de peça”. Onde o elenco, no último dia de apresentação, apronta surpresas e arapucas para seus colegas de cena. Todos têm que manter o foco e concentração para que a plateia não perceba. No caso de “Bruxas”, Enio e o Tuparecetan Matheus improvisaram um debate em latim no meio da peça, para o olhar perplexo da plateia e para gargalhadas de bocas tapadas nos bastidores.

Enio foi professor na Faculdade de Artes do Paraná. Lá ele sempre tentava tirar o máximo de seus alunos. “Do jeito dele”, disse o Demian. Esse jeito que às vezes parecia antipático, mas em pouco tempo se revelava carinhoso e transformador.

“A vida do Enio sempre foi dedicada a projetos de apoio social e espiritual”, registrou o Demian ao lembrar que o ator foi idealizador do Espaço Cultural FALEC que, depois de uma reforma em 2018, teve seu teatro rebatizado com seu nome de seu criador. Teatro Enio Carvalho. Quando passar ali pela Mateus Leme e vir essa placa, lembre-se que não é só um nome. É uma alma inteira e gigante que tem ali.

Como se tudo mencionado acima (que não é nem o começo da história) não bastasse, Enio Carvalho foi um dos criadores do projeto do CPT (Curso Permanente de Teatro) que se transformou no Bacharelado em Artes Cênicas da UNESPAR.

No início da tarde do último sábado, o Demian me mandou uma mensagem contando que o Enio tinha desencarnado. Descansou depois de conviver alguns anos com Parkinson e câncer. Em um áudio, o Demian me conta que quando foi colar grau na FAP, o Enio fez questão de tirar o canudo de quem quer que estivesse na direção naquela época e entregar EM MÃOS para o Demian. Ninguém nem mesmo cogitou se opor à quebra de protocolo.

Para o Demian ele foi um pai nas artes, assim como para toda classe artística paranaense onde Enio Carvalho é um dos grandes patronos. Sua falta será imensa.

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4 comentários em “Enio Carvalho vai fazer falta”

  1. Fátima Mohamed Abrão

    Bonita homenagem de vocês todos!
    Pude conhece-lo em diferentes frentes de trabalho e sua elegância será uma marca inesquecível.
    Os que estiveram próximos estarão num momento de extrema sensibilidade!
    Nossa modesta solidariedade, imensa gratidão e esperança que a sua escola de teatro fique de pé!!

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