Em “Os Mímicos”, Naipaul traça de raça, política e muito mais

Em série sobre grandes romances políticos, Benedito Costa escolheu falar de clássico de Naipaul

O patriarca dos Deschampsneufs tem uma teoria racial em “Os mímicos”: “africanos e indígenas seriam homens de ‘visão curta’, uma visão do presente; asiáticos seriam homens de uma ‘visão longa’; e os europeus seriam homens de uma ‘visão média’”. Segundo ele, apenas esses últimos seriam capazes de pensar no futuro e de construírem coisas efetivamente positivas para a humanidade. É um sujeito muito rico numa ilha de pessoas muito pobres, um cidadão de origem francesa numa “terra de ingleses”, que vive com a tola ideia de um passado glorioso, simbolizado num horrível retrato de uma “antepassada” que ele mandou pintar em Massachusetts ou algum lugar assim. Os ilhéus o consideram um idiota. 

A par com essa pequena descrição, veja-se esta: “Nós, em nossa ilha, manuseando livros publicados no mundo exterior e usando seus produtos, tínhamos sido abandonados e esquecidos. Fizemos de conta que existíamos de verdade, que aprendíamos, que nos preparávamos para a vida, nós, os mímicos do Novo Mundo, de um cantinho desconhecido desse mundo com todos os sinais da corrupção que tão depressa se instaurava no novo”. Repare-se de onde vem a corrupção. Em nenhum momento da narrativa, a corrupção é indígena, negra ou asiática: muito ao contrário, em vários momentos, o narrador lembra que a corrupção chegou com o homem branco.

Eu poderia dizer que esses dois trechos do livro o definem, mas eu estaria mentindo, como a maioria das pessoas que leem apressadamente “Os mímicos”. Veja-se: não disse “como a maioria das pessoas que leem Naipaul”. Há um Naipaul em “Os mímicos”, assim como há um Naipaul em “O enigma da chegada” e eu diria que há muitos outros, notadamente aquele Naipaul viajante em terras estranhas.

Há pelo menos duas situações pouco desprezíveis quando o assunto é Naipaul:

a) ele escreveria como poucos de expressão inglesa; e

b) ele teria sido um escritor que desprezou as origens.

Essas duas situações se cruzam de um modo bastante complexo e são mais profundas do que podem aparentar: dizer que alguém escreve bem, “a despeito do conteúdo” é algo para lá de inusitado, principalmente se lidamos com literatura. A essas duas eu colocaria uma terceira, não menos desprezível e talvez até mais odiosa:

c) ele optou pelo inglês como língua de expressão.

Creio que esta última questão se entrelace com as outras duas de modo igualmente complexo – e este pequeno texto é um espaço módico para lidar com tudo isso. Mas tomemos estas três críticas ao escritor Vidiadhar Surajprasad Naipaul e vejamos o que vai dar, tendo em mente “Os mímicos”, talvez seu livro mais conhecido e certamente sua obra-prima. (Alguns comentaristas falam de “A curva do rio”, mas para mim este é como se um apêndice daquele. Outros citam “Uma casa para o senhor Biswas” e aí eu pensaria em concordar.)

Gostaria de lembrar que o livro começou a ser escrito na África, com uma bolsa. Pode parecer uma coincidência ou algo um mero detalhe, mas gostaria de frisar que não foi resultado de uma bolsa americana ou alemã. Foi terminado na Inglaterra e levou dois anos para ser finalizado. Embora dois anos para um livro desse fôlego seja pouco e embora se diga que ele publicou muito em vida, há de se anotar que Naipaul trabalhava arduamente em suas obras, tendo um projeto de escrita bem específico para cada obra.

Foi lançado em 1967, chegou ao Brasil com uma magnífica tradução de Paulo Henriques Brito, no final dos anos 1980, e de lá para cá sofreu alterações quase imperceptíveis (mudanças como “os Walter” em vez de “os Walters” e “a vez disto existir” no lugar do gramaticalmente indicado “a vez de isto existir” e ainda o uso de crase para “a distância”, isso com três revisores desatentos, entre outros erros de correção que não haviam na primeira edição). Brito, no meu entender, é o tradutor ideial para Naipaul: só um tradutor como ele optaria por palavras como “vergônteas” e a visão um tanto conservadora de Brito (para a língua e para a vida) é justamente de que precisa a tradução para o autor trinadino.

A Cia da Letras detém os direitos autorais da obra do laureado em 2001 com o Nobel, mas até o extinto Círculo do Livro publicou “Os mímicos”. Editoras menores publicaram outras obras dele, como “Os guerrilheiros”, avisando na orelha que o autor teria falecido em 1987. Em verdade, seu falecimento oficial data de 2018, aos 85 anos. Percebe-se que o descuido com as publicações e com dados pessoais do autor faz eco a análise apressadas e equivocadas a respeito de Naipaul e de “Os mímicos”. A maioria das “apresentações” a “Os mímicos” parecem sido feitas por alguém que não leu a obra…

Naipaul tinha uma rara capacidade de descrição das coisas, tanto de lugares quanto de pessoas, tanto no aspecto físico delas quanto no aspecto psicológico. Assim como escritores de uma geração ligeiramente anterior à sua, como Marguerite Yourcenar, e assim como escritores de uma geração ligeiramente posterior à sua, como John Banville, Naipaul optou por uma escrita que talvez não caia muito no gosto atual por coisas ligeiras. Os escritores de maior sucesso na atualidade não escrevem mais assim. Há quem o compare a Conrad – pelos motivos errados – e a Nabokov – pelos motivos certos –, mas há tanto em comum como há tanto de distanciamento entre esses escritores todos. Gosto de pensar que os cinco citados acima, com poucas diferenças temporais, estiveram vivos e produzindo num mesmo momento histórico (a exceção de Conrad, se você, meu caro leitor, for rigoroso com datas).

Mas comecemos com o item “a”. Quando se diz que a escrita de Naipaul é rara, nenhum exagero há nesse comentário ou nessa constatação. A escrita de “Os mímicos” é espetacular, principalmente a primeira parte do livro, justamente quando o assunto em questão não é o político, se é que isso é possível dizer, que uma obra não seja política e logo um romance de Naipaul. Em comparação com outros livros do escritor, talvez em especial “O enigma da chegada”, este livro que trata da vida de Singh talvez seja o de melhor fatura. Em “O enigma da chegada”, as memórias se traduzem numa escrita (quase) cansativa, requintada de fato, como tudo o que ele escrevia, mas espessa, pesada, quase deslocada das coisas do mundo, ou uma conversa “com seus botões”.  As frases são imensas, o ritmo lento, as descrições com excesso de zelo. Mas estamos falando de Naipaul e sua escrita está entre as melhores de sua geração. O erro, portanto, não é o elogio à suntuosa escrita dele e sim quando se sugere que a escrita ultrapassa em qualidade seu discurso. Além de um equívoco, um insulto. E começam as confusões entre o homem Naipaul e as personagens, como Singh. 

Vários comentaristas já começam a análise de suas obras com “assim como o escritor, a personagem nasceu no Caribe e foi para a Inglaterra”. E esse comentário vago, vazio ou preconceituoso é repetido para outras obras de Naipaul. Mas repare que algo similar não é dito de Conrad, por exemplo, com quem Naipaul é comparado, para o bem e para o mal. Em geral, pode-se lembrar, de fato, que Conrad era eslavo, mas poucas pessoas fazem menção à cor de sua pele, como ocorre com Naipaul. E, para dizer verdades, o fato de Naipaul ser de ascendência indiana, se não é um mero detalhe, não define sua obra, extensa e profunda. Ele foi criado em inglês, numa colônia inglesa, e depois mudou-se para a Inglaterra.

Ora, entendamos que não é mera coincidência tal fato: Naipaul e Singh terem nascido no Caribe, com ascendência indiana, mas um homem é histórico e o outro é personagem de um romance. Que tivessem pensamento semelhantes, nada mudará o fato. Que a vida de Naipaul seja hoje um texto e que a vida de Singh também o seja, nada mudará o fato. Até mesmo que um seja o alter-ego do outro, nada mudará o fato de serem pessoas distintas, assim como Bentinho não era Machado e vice-versa. Que sejam homens, que tenham a pele acobreada, que falem inglês… ops: chegamos a um ponto importante que gera muitas confusões. 

O leitor acostumado a grandes obras saberá que Conrad era de família polonesa, possivelmente tendo nascido em Berdychiv, hoje Ucrânia. E que Nabokov era russo, tendo nascido em São Petersburgo, hoje novamente São Petersburgo. Ambos em certo momento da vida optaram pela escrita em inglês. Isso não ocorreu com Naipaul: ele nunca escreveu em hindi (ou qualquer outra língua falada na Índia, como Tagore, por exemplo, de família bengali, que escreveu nesse idioma) tampouco em patoá ou papiamento. Ele sempre escreveu em inglês e isso não foi exatamente uma escolha. Exatamente como Derek Walcott, um famoso crítico seu e semelhantemente a outro amargo crítico seu, Edward Said, ele escreveu em inglês. Talvez fosse mais fácil Said ter escrito em árabe do que Naipaul ter escrito em qualquer língua indiana ou caribenha. Saint Jonh Perse escreveu em francês, Camus escreveu em francês, Kazuo Ishiguro escreve em inglês e Gao Xingjian escreve em francês. A confusão que se faz diz respeito a seu nome, de origem indiana, à cor de sua pele, a suas feições, etc., num discurso tão preconceituoso quanto tolo.

De todo modo, se o autor houvesse deliberadamente optado por outro idioma ou houvesse vertido para outro idioma obras já escritas (como Beckett ou similarmente como Brodski), que mal haveria? Haveria, sim, uma investigação sobre o que leva um autor a deixar sua língua materna. Não foi o caso dele. Biógrafos informam que Naipaul foi educado primeiramente num lar hinduísta e depois foi estudar num colégio inglês e mais tarde ganhou uma bolsa para Londres. Quantos de nós aqui estudamos em colégios católicos e somos cristãos não praticantes, agnósticos, ateus? Quantos de nós precisam traduzir seus próprios textos para o inglês, de modo a conseguir mais divulgação? Enfim. Passemos ao segundo ponto, o “b”.

Uma famosa apresentadora da tevê holandesa é negra. Sempre que perguntam a ela por que ela não “assume” as origens, ela responde que é “tão holandesa quanto qualquer mulher branca da Holanda”. A resposta, obviamente, não agrada à maioria das pessoas. Ou se espera que uma mulher negra utilize elementos africanos em seu corpo e discurso ou se espera que ela utilize elementos do Novo Mundo (ou ainda a mistura de ambos). Algo similar ocorre com escritores como Naipaul. Ao mesmo tempo, não se exige de Kazuo Ishiguro que ele use quimonos ou que escreva em japonês. A situação de Naipaul é um tantinho óbvia: seu rosto oriental pede uma escrita oriental ou ainda caribenha, mas ele é um cidadão inglês, de fala inglesa. O próprio autor disse ter sofrido muito da Inglaterra, local onde queriam “que ele ocupasse seu lugar”. Já no Sul Global e em países periféricos a crítica a ele é outra, mas digamos que elas dialoguem, sempre procurando um local a partir do qual o escritor falasse.

Equívocos e superfícies

Há uma leitura muito equivocada de “Os mímicos” quando se apresenta o livro como “a história de um líder caribenho de uma ex-colônia inglesa”. Em verdade, “Os mímicos” está muito mais para um romance de formação do que exatamente sobre a experiência de vida de um político do Novo Mundo. Não é mentira que esse indivíduo estudou na Inglaterra, que voltou ao seu país e que acabou – por vias tortas – se inserindo na política, mas apenas um quinto do livro trata disso. Todo o resto não.

Outra situação curiosa da fatura literária desse romance, ou, caso se prefira, da escrita dele, é que justamente a parte em que há a descrição e a narração da experiência política de Singh é a menos cuidada pelo autor. Não que seja ruim. Muito pelo contrário. Um escritor do naipe de Naipaul jamais escreveria trechos “ruins”. Mas se o livro tem alguma falha é justamente ali, embora há de se investigar num texto de maior envergadura se a escolha por descrições mais áridas justamente nessa parte não é algo deliberado. De todo modo, é ali que o narrador mais se ausenta das complexidades dessa experiência política. A relação dos “verdadeiros donos do poder” com o poder é resolvida em pouquíssimas linhas e parcas frases. Toda a complexidade que poderia ser investigada na narração (digo, complexidade sobre a chegada ao poder de Brownie, outro erro comum de quem não leu o livro, mas se envereda a resenhá-lo) fica em segundo plano, ou seja, mais uma prova de que “Os mímicos” é mais uma narrativa a respeito da vida de Singh, como um todo, do que a vida do político Singh, algo que não ocorrerá em “A curva do rio” (ou ainda em “Guerrilheiros”). Por isso eu disse acima que este livro parece um apêndice daquele.

Outro erro bárbaro das apresentações (equivocadas) de Naiapul é exigir que ele mantivesse um discurso de uma obra para outra. “Os mímicos” foi escrito em fins de 1960 e “A curva do rio” foi escrito anos depois. Assim como anos depois Naipaul escreve obras não ficcionais, narrando experiências e sensações vividas em diferentes partes do mundo. É um cidadão inglês que faz essas narrativas – e não um cidadão indiano ou um cidadão de Trinidad e Tobago. E ele pode ter mudado de ideia e de visões do mundo, embora haja coerência entre essas obras todas, goste-se do que ele escreva ou não.

Algumas comparações feitas entre Naipaul e outros escritores das décadas de 1960 e 1970 chegam a ser enervantes. Comparar Naipaul a Asturias, Márquez, entre outros, e exigir dele que ele escreva como os demais, ou a partir do mesmo ponto que os demais ou ainda com o mesmo discurso que os demais é, para começar, enervante. Os erros se acotovelam como numa salinha pequena: embora haja diversos romances sobre líderes caribenhos e sul-americanos, todas essas obras são distintíssimas entre si. Esperar que todos esses escritores, de distintos lugares (e até mesmo temporalidades) escrevam da mesma forma é matar a literatura ou exigir dela que ela não lance mão de sua maior riqueza, a diversidade. Para piorar a situação, tanto Naipaul quanto Márquez já foram criticados com o mesmo argumento: o de que seu olhar sobre os países do Sul Global seria elitista ou por demais eurocêntrico. Há tantos equívocos aí que não saberia por onde começar. Do mesmo modo, curiosamente, o mesmo elogio é feito a ambos: “a despeito de uma bela escrita, a visão que têm dos países coloniais é de… pontinhos”. Quando esses críticos brilhantes descobrirem que é justamente o contrário, e que “Os mímicos é, como disse acima, um romance de formação e um romance que coloca a nu a terrível experiência que foi a colonização, creio que tal sujeito leve um susto.

Uma foto e muito o que dizer

Há uma foto famosa de Naipaul na Inglaterra, mais jovem e ainda magro. O corpo é de um rapaz que ainda não conheceu os naturais aumentos corporais da maturidade. O rosto é de um velho. Há jovens grandes, sabemos, e velhos magros, sabemos igualmente, há jovens lindos como Gide foi e faces sulcadas como as de Beckett. De todo modo, nessa foto de Naipaul se não revela muito dele: revela de seus comentaristas e detratores. O elegante jovem de rosto velho (o que faz confundir mesmo Naipaul com Singh) traja elegante costume inglês. Ele veste esta roupa adotada na modernidade pelos mais variados motivos, de um povo que a leva para o mundo todo: em cada lugar que os ingleses pisaram deixaram uma “tradição” do feitio do terno (ou do costume), seja em Hong Kong, no Oriente Médio ou no Caribe. Por cima do costume, Naipaul enverga outra peça icônica dos ingleses, uma capa de chuva marinho (?), peça que ganhou os dias de sol. Marcas como Burberry e Trench London são conhecidas e invejadas no mundo todo por conta dessa peça, que contaria sozinha parte da história da moda. Ele apoia no chão um guarda-chuva longo de cabo de madeira e ainda sapatos claros, de boa qualidade e engraxados. A foto foi tirada tendo ao lado a fachada de um hotel ou castelo inglês – e tudo isso foi escrito em inúmeros textos seus. Seria uma caricatura, uma coincidência ou algo estudado. Em outras fotos, jovem ou velho, ele está de blazer, armação Cutler and Gross e uma inseparável turtle neck, tudo muito “inglês”, mas nesta foto em particular ele parece fabricado pelas lentes de uma Annie Leibovtz, em que vale menos o rosto do que todo o resto que compõe o portrait, mas a foto é de Chris Steele-Perkins, que tem fotos icônicas da sociedade inglesa. O retrato parece simples, até “ao acaso”, mas nenhum outro retrato mostra tanto de Naipaul, logo ele que dizia que a sociedade inglesa o tratava mal – vendo seu rosto asiático – de modo “a querer colocá-lo no lugar”, como dito acima. Este retrato não define apenas quem Naipaul é ou foi e sim o que se dizia que ele era, um exilado, um renegado, alguém que abraçou o inimigo ou deixou-se abraçar por ele, o sujeito do terceiro mundo que escolhe o primeiro, aquele que escreve para os liberais, etc.

Duas querelas conhecidas

Se você acompanha literatura, deve ter conhecido algumas querelas feitas em pares: Márquez – Llosa, por exemplo, Ishiguro – John Banville, Liao Yiwu – Mo Yan e naturalmente Naipaul – Walcott. A pequena mídia adora. 

Valeria explicar a azeda ou injusta crítica de Derek Walcott a Naipaul: num poema verbalizado num encontro na Jamaica, Walcott, sem mencionar Naipaul, leu um poema sobre um moongoose, bicho que teria sido levado pelos ingleses para aquela parte do mundo. Nesse poema, Walcott não apenas ironiza o colega como um “mímico” ou como uma marionete inglesa, como lembra que suas (então) obras mais recentes não tinham as qualidades das primeiras. De onde veio o rancor de Walcott? No discurso de agradecimento pela láurea do Nobel, Naipaul teria lembrado a Índia e a Inglaterra, mas não Trinidad e Tobago. Bem; caso você compare o modo como Walcott descreve sua ilha natal e o modo como Naipaul descreve (mesmo que metaforicamente) o Caribe, entenderá o rancor e o azedume de Walcott. 

Já a crítica feita por Edward Said é, digamos, mais profunda, elegante e sensata. Num texto com o cuidado intelectual típico de Said (ele sim um merecedor de grandes prêmios de escrita, embora nunca tenha ganho nenhum), Said apresenta os trabalhos em que Naipaul trata do mundo “árabe” ou do mundo “islâmico”. Após elogiar a escrita do escritor trinadido, ele coloca em xeque o conceito com o qual Naipaul trabalha “mundo árabe” e “mundo islâmico”. Ele pinça frases do escritor como “nesses países, as pessoas sabem usar um telefone, mas não consertar ou inventar um”. Eis o ponto: o modo com o escritor descreveu países de fora do eixo europeu como atrasados.

Tenho certeza de que Naipaul foi criticado por outras pessoas… por amantes de Bolaño, por exemplo. A forma como Naipaul lidou com argentinos (sim, Bolaño era chileno) não foi muito elogiosa e isso desagradou muitos sul-americanos.

O que aconselho é

a) fazer separações entre o homem, o escritor mas fundamentalmente entre homem e personagem;

b) fazer aproximações quando isso é necessário, para ver até que ponto existe tensão entre o que diz o homem, o escritor e a personagem;

c) ter em mente que muitos povos saíram de seus países de origem e adotaram a cultura de outro país: a maioria esqueceu a língua original e tem pouco contato com os antepassados;

d) ler “Os mímicos” não é ler toda a obra de Naipaul e sim parte dela;

e) colocar os romances de Naipaul em tempos distintos pode ajudar a uma compreensão mais serena de seu trabalho.

Logo nas primeiras páginas do romance, Singh descreve como tenta imitar um cidadão inglês. Ele não é o único, uma mulher tenta “ser elegante” como as inglesas em cada canto da cidade Singh encontra um habitante oriundo de uma colônia inglesa ou ainda eslavos (ou romenos) que forma viver em Londres. Os ingleses, por sua vez, são contraditórios: têm pena do exilado Hailé Selassié, andando “pobre por uma estação de trem”, mas odeiam os sujeitos das colônias. Singh, assim como outros homens, embora tentem imitar os ingleses, têm um ódio pelas mulheres. Em paralelo, o narrador mostra como “os Murals eram a favor de manter a Inglaterra branca, como se diz hoje em dia”. Bem: com esses pequenos exemplos já é possível notar como Naipaul precisa ser lido com muito cuidado.

Servico

“Os Mímicos”, de V.S. Naipaul. Tradução de Paulo Henriques Britto. Companhia das Letras, 320 páginas, R$ 64,90.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima