Quão importante é conhecer a história para entender o presente e pensar o futuro? Em tempos de semelhanças sórdidas com períodos marcados pelo autoritarismo, parece imprescindível.
Pensando nisso, uma editora especializada em literatura latino-americana, a Pinard, criou o Isso não é uma democracia, uma iniciativa de financiamento coletivo para trazer ao Brasil dois importantes títulos produzidos durante os anos de chumbo do continente. O combo composto pelos livros Eu o supremo (1974), do paraguaio Augusto Roa Bastos, e O aniversário de Juan Angel (1971), do uruguaio Mario Benedetti, foi idealizado para colocar em perspectiva o olhar de quem está no poder e de quem é perseguido por ele.
A literatura da América Latina dos últimos 60 anos foi bastante influenciada por questões políticas, já que nas décadas de 1960 e 1970, boa parte dos países do continente foi tomada por golpes militares e governada com mãos de ferro.
“No contexto atual, essas obras são importantes narrativas dessas experiências de momentos críticos na história dos países latino-americanos, os momentos de ditadura que foram muito constantes na segunda metade do século 20. A partir desses escritores, que relativizam as verdades absolutas, a gente tem perspectivas diferenciadas sobre os processos de tensionamento político”, diz a professora da UFPR Isabel Jasinski, especialista em literatura latino-americana.
Os livros escolhidos fazem parte da coleção Prosa Latino-americana, iniciada com o lançamento do romance venezuelano Dona Bárbara, de Rómulo Gallegos. “A nossa premissa é que a coleção forme um painel sobre a literatura latino-americana a partir de obras que foram ignoradas pelo mercado editorial brasileiro. Eu o supremo é considerada a obra-prima do Paraguai e já estava sem reedição desde a década de 1980. O aniversário de Juan Angel é o romance mais experimental, poético e político do escritor uruguaio. Embora ele seja bastante celebrado por aqui e tenha edições em várias grandes editoras, esse romance em específico passou batido, foi esquecido. E é um romance bastante emblemático”, conta Paulo Lannes, um dos criadores da Pinard.
Eu o Supremo
Lançado no Paraguai em 1974, Eu o Supremo rapidamente ganhou importância e foi traduzido para mais de 20 idiomas, sendo considerada uma das obras mais representativas sobre ditaduras da América Latina. A publicação rendeu a Roa Bastos dois grandes prêmios literários – e também o exílio durante o regime do ditador paraguaio Alfredo Stroessner.
O livro, inspirado na biografia do ditador José Gaspar Francia, que governou o Paraguai entre 1814 e 1840, retratava, por semelhança, o perfil de Stroessner e de outros tantos chefes de estado autoritários ao longo do século XX.
Assim como outros romances de Roa Bastos, Eu o Supremo mistura presente e passado com o uso de símbolos da tradição cultural e linguística do guarani. Já no título do original nota-se a influência indigenista: “Yo el Supremo”. De acordo com Isabel, sem a vírgula que marcaria “supremo” como um complemento do sujeito, “Yo” e “el” se fundem na leitura, formando Yoel, um mito Guarani que tem como principal característica a ambiguidade. Ao combinar recursos do espanhol com os da língua aborígine, o autor reforça sua identidade paraguaia e marca o lugar de fala do ser latino-americano na literatura.
O aniversário de Juan Angel
Inédito no Brasil, O aniversário de Juan Angel é uma espécie de premonição. Foi escrito em 1971, dois anos antes do início da ditadura no Uruguai, como se Mario Benedetti, o escritor que abordava as “pessoas comuns”, já soubesse das dores que estariam por vir.
Escrito em versos sem pontuação, o romance traz a história de um homem de classe média, narrada sempre nos dias do seu aniversário, até o momento de seu ingresso no ativismo político, quando muda de nome. “Então a gente tem, aqui, quase a criação de um outro personagem. Esse renascimento, a questão de ser sempre a data do aniversário, é muito simbólico. Nem essa data garante a unidade do sujeito, que evolui ao longo da narrativa”, conta a professora.
Benedetti também foi perseguido pela ditadura de seu país e viveu em exílio por 12 anos. Faleceu em 2009, deixando poemas e histórias que se destacam pela clareza, pela beleza da linguagem, e que dão cor às vidas discretas, rotineiras e sem grandes heroísmos, geralmente excluídas da literatura.
Faça parte
Com pouco mais de 30 dias para o fim da campanha de financiamento coletivo, Isso não é uma democracia arrecadou 44% da meta. Como o projeto está na categoria “tudo ou nada”, caso a meta não seja atingida, o dinheiro volta para o apoiador. Entretanto, os livros não ganham nova edição.
As cotas iniciam em R$55. Por R$120, o apoiador leva os dois livros e marcadores de página. Outras categorias incluem brindes como caderno, camiseta e ecobag.
O aniversário de Juan Angel tem previsão de envio para setembro de 2021. Eu o Supremo, obra de mais de 600 páginas e de tradução complexa, deve estar pronto para impressão e distribuição em fevereiro de 2022.
Fundada em 2020, a Pinard tem como objetivo criar edições para livros de grande relevância que ainda não estão disponíveis no mercado editorial brasileiro. A editora já teve dois projetos viabilizados no último ano com mais de 115% dos valores estipulados.
Serviço
Catarse: https://www.catarse.me/issonaoeumademocracia
Editora Pinard: https://www.instagram.com/pinard.livros/
Olá. Deixei por lá minha contribuição. Agradeço ao Plural pela iniciativa e divulgação.