Como funcionam as palavras da pandemia

Distanciamento social, isolamento e quarentena são algumas das expressões que aparecem – às vezes, de forma confusa – associadas à covid-19

Hoje, Curitiba – e várias outras cidades brasileiras – pratica o isolamento horizontal. Diz o escritor Sérgio Rodrigues, colunista da “Folha de S.Paulo”: “[Isolamento horizontal] é a estratégia de contenção do contágio em que o Estado ordena – ou recomenda, conforme o caso – o confinamento em casa (shelter in place) de todos os cidadãos, com exceção dos que trabalham em setores essenciais”.

O governo do Paraná determinou o fechamento de shopping centers e academias, limitou o funcionamento de restaurantes e suspendeu aulas nas redes pública e privada. Ainda que de maneira indireta, a população entendeu essas medidas como uma recomendação para que todo mundo adotasse o confinamento, à exceção de alguns serviços fundamentais.

Não significa que estamos em quarentena.

A expressão que Rodrigues coloca entre parênteses, shelter in place, ou sua tradução, confinamento em casa, é relativamente pouco usada no Brasil. Na imprensa norte-americana, porém, ela aparece bastante. Talvez porque o país de Donald Trump seja mais apegado à ideia de liberdade individual e o confinamento em casa é, na prática, uma restrição dessa liberdade. O governador Andrew Cuomo, de Nova York, fez um esforço tremendo para rebater afirmações de que estaria adotando o confinamento em casa para os nova-iorquinos. Para ele, isso só faria sentido em um desastre nuclear ou para escapar de atiradores de elite. Em princípio, então, as pessoas podem sair de casa, mas precisam adotar certos cuidados (manter dois metros de distância de outras pessoas, evitar aglomerações, higienizar as mãos etc.). Porém, na prática, muitas estão mesmo confinadas em casa.

Em compensação, as ideias de isolamento horizontal e vertical fazem parte de uma discussão que não aparece em território estrangeiro. No Brasil, ela tem força, em parte, porque o presidente Jair Bolsonaro argumenta contra o isolamento horizontal e defende o vertical. O jornalista José Roberto de Toledo, no podcast “Foro de Teresina”, da revista “Piauí”, argumenta que o isolamento vertical restringiria os direitos de um determinado grupo de pessoas (os mais vulneráveis ao coronavírus, como idosos, diabéticos e cardíacos), criando cidadãos de segunda categoria. O que, portanto, seria inconstitucional.

Em português, o uso de isolamento é corriqueiro, enquanto o Centro para o Controle e Prevenção de Doenças, nos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) adota o termo isolation apenas para se referir à medida de “separar pessoas que sofrem de uma doença contagiosa das pessoas que não estão doentes”.

Ainda de acordo com Sérgio Rodrigues, distanciamento social é um termo genérico e serve para todas as estratégias de contenção, dos isolamentos até o lockdown – este é também o ponto de vista da rede americana National Public Radio (NPR). O isolamento obrigatório de toda a população, como a que está vigente na Itália, onde as viagens foram canceladas e as pessoas, proibidas de sair de casa, ilustra um lockdown.

Curitiba pratica então o isolamento horizontal e este é uma forma de distanciamento social (ou de distanciamento físico, como prefere a OMS).

No último dia 30, a página da rede Al Jazeera (uma espécie de CNN do Mundo Árabe) noticiou o esforço da Organização Mundial da Saúde (OMS) para não usar o termo social em distanciamento social. Eles estão optando por distanciamento físico. Diz a OMS: “Não significa que precisamos nos desconectar socialmente das pessoas que amamos e da nossa família”. As palavras importam.

Quarentena

Além de definir isolamento, o CDC explica só mais um termo médico: quarentena. Ela “separa e restringe a circulação de pessoas que foram expostas a doenças contagiosas para ver se elas também apresentam sintomas”.

Isso significa que, se alguém dentro de um grupo está doente, esse alguém precisa ser isolado. Ao passo que todas as pessoas que tiveram contato com o doente precisam respeitar a quarentena.

No Reino Unido, diz a revista “Wired”, o governo de Boris Johnson pediu um isolamento de 7 dias para quem está doente e de 14 dias para quem teve contato com doentes – período em que se deve monitorar a temperatura corporal para cuidar de uma possível febre, um dos sintomas da covid-19. Um dado importante, divulgado pela BBC, é de que o tempo entre a infecção pelo vírus e o surgimento dos primeiros sintomas gira em torno dos cinco dias.

Maria Mellor, a autora do texto na “Wired”, argumenta que “distanciamento social é uma forma mais leve de isolamento”, não é o mesmo que quarentena e não é imposto pelo governo. “Você não precisa se isolar completamente”, diz ela. “A ideia é reduzir a quantidade de contato que cada um tem com outras pessoas.”

A revista eletrônica “Slate”, baseada em Washington, D. C., concorda com Maria Mellor, e também vê o distanciamento social como um primeiro passo nas medidas de contenção do coronavírus, um cenário em que as pessoas ainda podem interagir umas com as outras, mas em grupos de até dez pessoas e guardando uma distância de dois metros entre si.

Essa história de que tudo bem reunir grupos de até dez pessoas gerou confusão – ela foi alardeada inclusive por Trump. Diz Tara Parker-Pope, no “New York Times”: “Ela [a história] deu a impressão de que eventos em lugares fechados eram ruins, mas que não tinha problema receber até nove pessoas em casa ou em lugares abertos. Isso é um erro. Neste momento [em Nova York], todo mundo deve limitar os contatos próximos, em ambientes abertos e fechados, a membros da família e mais ninguém. Isso significa nada de jantares, nem encontros, muito menos festas de aniversário com poucos amigos”.

Para complicar um pouco mais, Parker-Pope afirma que fechar escolas e ambientes de trabalho, cancelar eventos como concertos e espetáculos teatrais fazem parte do distanciamento social. Embora sejam medidas que parecem severas demais para um suposto “isolamento leve”.

Países diferentes deram abordagens diferentes ao distanciamento social. A Índia virou notícia quando o primeiro-ministro Narendra Modi baixou as medidas mais severas do mundo para conter a pandemia: suspendeu todas as atividades econômicas não essenciais (o que chamam de shutdown) e ordenou que todos os 1,3 bilhão de indianos adotassem o isolamento em casa por três semanas (o que define o lockdown, porque já não é mais uma recomendação, é lei).

Em tempo: a revista “Forbes” explica que shutdown e lockdown são expressões informais porque não foram definidas por organizações de saúde.

Por fim, a reportagem de Abigail Beall, para a BBC, diz que talvez seja necessário manter o distanciamento por um longo tempo. Ela cita uma pesquisa feita pela Universidade de Harvard, a ser publicada em periódico científico, que alerta para a necessidade de se manter, nos Estados Unidos, “medidas de distanciamento social intermitente até 2022 a menos que intervenções como vacinas, medicamentos ou medidas agressivas de quarentena sejam adotadas”. Se o vírus variar de uma estação para outra, ele deve contra-atacar mais para o fim do ano, quando é inverno para os americanos. Para nós, o inverno chega antes.

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