Como funciona uma terapia

Psicoterapeuta dá informações privilegiadas para quem pensa em buscar ajuda ou mesmo se tornar terapeuta no livro “Talvez você deva conversar com alguém”

Depois de um rompimento bem difícil, a psicóloga Lori Gottlieb decide buscar ajuda. Como ela mesma é terapeuta, e conhece bastante gente do meio, tem dificuldade de encontrar um profissional sem conflito de interesses. Quando encontra, a relação com ele é transformadora. Tão transformadora quanto a relação que consegue desenvolver com três de seus próprios pacientes.

Os capítulos do livro “Talvez você deva conversar com alguém”, como o subtítulo deixa claro (“uma terapeuta, o terapeuta dela e a vida de todos nós”), se alternam entre as pessoas atendidas por Lori e as sessões que ela mesma faz com Wendell.

Wendell não é o nome verdadeiro de seu terapeuta. Assim como os nomes dos pacientes e alguns detalhes pessoais também foram alterados para preservar a identidade dos envolvidos. Apesar disso, talvez por ser de Los Angeles, Lori não resiste à tentação de flertar com o mundo das celebridades. Ela dá vários detalhes sobre o paciente que trabalha como produtor de tevê (pelas dicas todas, parece ser David Shore, criador da série “House”). Há quem critique a postura de uma terapeuta que escreve sobre pacientes e fatos pessoais, mas essa é uma discussão que não faz parte do livro.

“Talvez você deva falar com alguém”

Ao falar de seus processos de trabalho e também de si mesma como paciente, Lori acaba dando informações privilegiadas sobre como funciona uma terapia. E quais os efeitos que ela pode ter.

O texto passeia por alguns termos técnicos, como “identificação projetiva”, quando ela explica: “Na projeção, um paciente atribui suas crenças a outra pessoa; na identificação projetiva, ele as insere em outra pessoa”. E cita um exemplo: “um homem pode se sentir zangado com seu chefe no trabalho, então chega em casa e diz para a esposa: ‘Você parece zangada’. Ele está projetando, porque a esposa não está zangada. Por outro lado, na identificação projetiva, o homem está zangado com o chefe, volta para a casa, e essencialmente insere sua raiva em sua companheira, fazendo com que, de fato, ela fique zangada”.

Em certos momentos, ela soa como um livro de autoajuda. “Parte de entender a si mesmo é desconhecer a si mesmo, abrir mão das histórias limitantes que você vem se contando sobre quem você é, de modo a não aprisionar por elas, podendo viver sua vida”, escreve. Mas admito que tirar a frase de contexto não ajuda e que, dentro do livro, ela faz sentido…

Além da clínica e dos livros, Lori escreve a coluna “Dear Therapist”, na revista “The Atlantic”, uma publicação de respeito nos Estados Unidos. No espaço, ela responde e-mails de leitores sobre problemas diversos, como “Não suporto a atual esposa do meu pai”, ou “Estou considerando abandonar minha esposa para ficar com uma colega de trabalho”, ou ainda “Estou perdendo a paciência com meu namorado na quarentena” (os textos são inglês e valem a pena).

Calligaris e Grosz

Entre o jargão da área e a simplificação, Lori ganha muitos pontos com “Talvez você deva conversar com alguém” por construir um relato coerente que amarra bem as diversas histórias que se propõe a contar. Além de oferecer várias sacações sobre a vida e a terapia. Nesse aspecto, o livro está na mesma categoria de obras como “Cartas a um jovem terapeuta”, de Contardo Calligaris, e “A vida em análise”, de Stephen Grosz.

A certa altura, ela fala sobre “evitamento” (é uma palavra, fui conferir): “uma maneira simples de aguentar sem ter que enfrentar”. Ou quando tenta entender a aflição de alguém que busca tratamento: “Penso em como o fato de não saber é o que atormenta todos nós. Não saber por que seu namorado foi embora; não saber o que há de errado com seu corpo; não saber se você poderia ter salvado seu filho. A certa altura, todos nós temos de aceitar o desconhecido e o incompreensível. Às vezes, jamais saberemos o porquê”. 

São três os pacientes que aparecem no livro. Há John, o produtor de tevê, que perdeu o filho de seis anos num acidente de carro; Rita, a senhora de quase 70 anos que não suporta mais a vida que leva; e Julie, uma mulher jovem que sofre de um câncer terminal.

Terapeutas

A transformação que a terapia opera na vida de cada um deles é ao mesmo tempo simples e espetacular. Tem a ver com a ideia de que o terapeuta se esforça para ajudar o paciente a ver aquilo que ele não consegue enxergar sozinho. “Normalmente, nós, terapeutas, estamos vários passos à frente dos nossos pacientes, não por sermos mais espertos ou mais sábios, mas porque temos a vantagem de estar fora da vida deles”, escreve Lori.

Como avisa o rodapé de sua coluna na “The Atlantic”, os textos de Lori não funcionam como orientação médica. Eles têm o propósito de informar e não servem como substitutos para um diagnóstico ou tratamento médicos. Se você precisa de ajuda, procure um terapeuta.

E saiba que ler “Talvez você deva conversar com alguém” pode ser uma experiência esclarecedora, como seria se uma amiga revelasse um tanto de suas experiências com terapia.

Livro

“Talvez você deva conversar com alguém: uma terapeuta, o terapeuta dela e a vida de todos nós”, de Lori Gottlieb. Tradução de Elisa Nazarian. Vestígio, 465 páginas, R$ 54,90.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima