Christian Schwartz lê ficção para melhor compreender o Brasil

Pesquisador curitibano diz que a literatura é ainda mais necessária num momento em que o Brasil parece pouco viável como país, como neste 2022

“A literatura de um país é um mapa confiável das grandes questões nacionais”, diz o ensaísta, pesquisador e tradutor Christian Schwartz. A frase está na apresentação do curso on-line que ele dará na escola Escrevedeira, a partir de 31 de agosto, e sintetiza a proposta de Schwartz. Serão 21 aulas de duas horas cada uma, sempre às quartas-feiras, para ler e discutir escritoras e escritores brasileiros do século 20 e do 21.

O nome do curso, “Literatura e Sociedade no Brasil Moderno e Contemporâneo”, é um clássico dos estudos literários. Justamente por colocar lado a lado “literatura” e “sociedade”. A partir de obras selecionadas de nomes como Carolina Maria de Jesus, Chico Buarque e Machado de Assis, o pesquisador vai propor discussões para melhor compreender o Brasil. “Acredito sinceramente que essa atividade é tão mais necessária quanto menos o Brasil nos parece viável como país, e o brasileiro como povo, nestes tempos difíceis que vivemos”, diz Christian Schwartz.

Além de colaborar com frequência com o jornal “Folha de S.Paulo” e de traduzir livros de autores como Philip Roth e Jeffrey Eugenides, o curitibano Christian Schwartz é um leitor onívoro e bem-informado de literatura nacional e estrangeira também. Mas principalmente de literatura brasileira, inclusive por participar como jurado do prêmio Oceanos, um dos mais importantes do país.

Na entrevista a seguir, o doutor em História Social pela Universidade de São Paulo fala um pouco sobre como a literatura pode fazer diferença.

Literatura como mapa

O ponto de partida para o curso que você preparou na Escrevedeira diz que “A literatura de um país é um mapa confiável das grandes questões nacionais”. Como um mapa, a literatura pode ajudar a gente a percorrer essas questões?
Ficcionistas, especialmente, mas também cronistas, dramaturgos, poetas são artistas da palavra – como tal, refletem sobre as grandes questões do seu tempo e, no caso do curso que proponho, do nosso país. Quem escreve trabalha, em maior ou menor grau, como antena intelectual de alguma realidade, ainda que o registro usado pela literatura nem sempre seja propriamente “realista” e deva, obrigatoriamente, se distanciar daquele dos discursos não ficcionais. Tento fazer um balanço de certa produção que caminhou paralelamente aos debates intelectuais e políticos, especialmente sobre a questão da identidade brasileira.

No Brasil, há um vasto repertório de romances, contos, crônicas, poemas e – por que não? – letras de canção que ora afirmam, ora confrontam marcos do nosso pensamento social propriamente dito. Do positivismo embebido em ideologia do “branqueamento” (sob o qual escreveram Lima Barreto e, antes, Machado de Assis) à celebração da mestiçagem (de formas distintas por um Jorge Amado ou pelos modernistas, mas nem tanto por Guimarães Rosa); da dura realidade da violência e da miséria urbanas (entrelaçada a questões de gênero, raça ou classe – como em Clarice Lispector, Carolina de Jesus ou Chico Buarque, sobretudo como letrista) à ultrafragmentação da representação identitária em anos mais recentes, cada aula [do curso de Schwartz] parte de amostras desses dois discursos – o literário e o ensaístico (aqui incluída a crítica de literatura) – para construir um painel de como se têm pensado a identidade brasileira e nossa própria viabilidade como um/a só povo/nação.

As questões do Brasil

Baseado nas autoras e nos autores que você estudou, quais você diria que são as questões que se destacam na literatura brasileira do século 21?
É curioso que os primeiros anos deste século não tenham sido tão “militantes” – ao menos tematicamente falando – quanto o que a gente veria de uma década, talvez menos, pra cá. “Militante”, aqui, não precisa ter tom pejorativo: a questão étnico-racial no país, por exemplo, aparece em obras-primas (“Marrom e amarelo”, ou mesmo o anterior “Habitante irreal”, de Paulo Scott) e bons livros (recentemente, em “O avesso da pele”, de Jefferson Tenório), assim como em coisa muito ruim, ligeira, mesmo que feita com as melhores intenções nesse tema. O mesmo vale para todas as demais tentativas de tratar a chamada questão identitária no Brasil. Há vários anos seguidos participo do júri do prêmio Oceanos, hoje o principal da língua portuguesa, e percebo uma ânsia por essas temáticas mais, digamos, políticas, com resultados bastante irregulares. Mas tem gente muito boa também escrevendo sobre isso.

Literatura faz diferença?

Numa sociedade de poucos leitores, como é a brasileira, que diferença faz a literatura? (Imagino que, aqui, os versos de canções desempenhem um papel importante – é o mais perto que muita gente chega da literatura.)
Ah, a literatura pode fazer muita diferença. Claro que não se transforma o país numa terra de leitores da noite pro dia – embora haja farta evidência de que, no boom econômico da primeira década e pouco deste milênio, as pessoas (de todas as classes) consumiram livros como nunca. Mas procurei, como disse antes, localizar os momentos mais iluminadores, reveladores até, da nossa produção literária – aí incluídas as letras de canções, ainda que uma das nossas discussões, no curso, vá ser precisamente sobre o estatuto literário (ou não) desses “textos”.

Espero poder proporcionar ocasiões de reflexão conjunta e prazerosa sobre a complexidade brasileira nos encontros semanais deste semestre para conversar sobre literatura e como os textos e autores selecionados para discussão podem ajudar a melhorar nossa compreensão do Brasil. E, olha, acredito sinceramente que essa atividade é tão mais necessária quanto menos o Brasil nos parece viável como país, e o brasileiro como povo, nestes tempos difíceis que vivemos.

Curso

“Literatura e Sociedade no Brasil Moderno e Contemporâneo”, com Christian Schwartz. Serão 21 aulas on-line de duas horas cada uma, sempre às quartas-feiras, das 19h30 às 21h30. De 31 de agosto a 14 de dezembro. Valor do curso: R$ 1.500. As aulas serão dadas por meio do Zoom. Inscrições no site da escola Escrevedeira, aqui.

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