Charme Chulo passeia pelo pop no álbum “O negócio é o seguinte”

Vocalista Igor Filus fala sobre o processo de produção do novo disco, o primeiro que a banda curitibana lança em seis anos

Com três álbuns lançados e quase duas décadas de história, a Charme Chulo se consolidou como uma das mais importantes bandas da história do rock paranaense. Mesclando guitarra elétrica com viola caipira, a banda construiu um repertório marcado por suas origens regionais, mas sem abrir mão de uma postura crítica, às vezes até mesmo corrosiva, frente aos clichês que informam a identidade cultural paranaense.

Seis anos após o lançamento de “Crucificados pelo sistema bruto” – seu disco mais recente, de 2014 –, a banda está de volta ao estúdio para produzir seu quarto álbum, “O negócio é o seguinte”. Sobre essa e outras novidades do grupo, bati um papo com o vocalista Igor Filus, que você confere a seguir.     

Considero a Charme Chulo uma das bandas com a identidade musical mais bem formatada do rock brasileiro. Apesar da juventude dos integrantes, seu disco de estreia (homônimo, de 2006) mostrou um grupo muito consciente de sua proposta ou conceito musical, o que ficou ainda mais evidente com o lançamento de “Nova onda caipira”, em 2009. Por essas e outras, à época de seu lançamento, considerei surpreendente o repertório de “Crucificados pelo sistema bruto”(2014), e não apenas pelo aspecto crítico muito mais acentuado, mas, sobretudo, pela sonoridade mais experimental, que expandiu a identidade musical do grupo (em entrevista da época, o guitarrista Leandro Delmonico chegou a afirmar que o disco levaria “a viola para um passeio por outros ritmos”). Minha primeira pergunta é: o que podemos esperar desse novo álbum? A viola ainda quer novos passeios ou já está com saudades de casa?

Eu diria que a viola gostou tanto de passear que já está de malas prontas para um novo destino! Mas, lógico, não sem antes dar aquela passada em casa para matar também as saudades. Hoje, vejo com clareza que após o “Crucificados…”, um álbum que contém um bocado de extravagância musical, se sobrevivêssemos (e parece que sobrevivemos – pelo menos ainda estamos vivos) seria difícil lançar qualquer coisa nova sem dar uma passada em casa de novo. Se avançássemos a partir daquilo, seria ou por carreiras novas (filhas daquelas experimentações) ou ultrapassando o limite da identidade musical da banda, que todo artista que se preze deve ter também, e que no nosso caso já é bem ampla: “rock caipira”. O fato é que a música caipira, tão rica, me parece tão pouco explorada e experimentada com outros ritmos musicais que, naquele terceiro disco, sentimos uma bruta ansiedade de ao menos vislumbrar algumas dessas possibilidades. No caso de “O negócio é o seguinte”, o próximo álbum da banda, que estamos neste momento em pleno processo de concepção, com as dez canções que serão lançadas já compostas, o passeio será pelo pop. Partindo do conceito inicial do Charme Chulo, queremos ver como este rock caipira soaria caso ele conseguisse ser o mais essencial possível, o mais depurado possível, o mais palatável possível, isso sem perder em nada o seu estilo. As apostas estão feitas!

Seis anos se passaram desde o lançamento de “Crucificados…”. Muitas canções desse disco abordam as dificuldades de se viver de música e, especialmente, de se manter atual fazendo rock, um gênero que perdeu muito do prestígio de outrora. Para o lançamento do último álbum, a banda apostou em um modelo de financiamento coletivo que, além de financiar os custos de gravação, valorizou a sua base de fãs. Mais ainda, também andou na contramão do mercado, lançando o registro num formato físico, como CD duplo. Veremos algo do tipo em relação ao novo álbum? Quais são os planos para o seu lançamento? Sai ainda em 2020?

Para o lançamento desse álbum – projeto enxuto, com custos de aproximadamente R$ 18 mil –, contaremos sim novamente com um financiamento coletivo. Porém, desta vez faremos uma campanha baseada na venda de camisetas exclusivas da banda, com desenhos feitos por quatro designers talentosos, escolhidos a dedo, parceiros e também fãs da banda, a Melany Sue, a Janara Lopes, o Diego Perin e o Carlos Bauer, com a venda a ser feita diretamente pelo nosso site oficial. Diferente do funcionamento do Catarse, faremos no esquema: comprou, levou, já apoiou, isso até atingirmos uma meta determinada de camisetas vendidas, que possibilite a concretização do projeto e o lançamento do novo álbum. “O negócio é o seguinte”está vislumbrado (tudo dependerá da vontade e do apoio de nossos fãs) para lançamento em 2021, nos serviços de streaming. Por isso, leitores e fãs da banda, o negócio é o seguinte: vistam a camisa!

Em relação ao cenário musical de Curitiba, mas também do Brasil e do mundo, você enxerga alguma mudança substantiva ocorrida de 2014 para cá? Qual é o sentimento de lançar um novo álbum num tempo em que muitos críticos já preconizam (espero que de forma equivocada) o fim desse formato? A banda costuma compor suas canções pensando no projeto de um novo disco ou a ideia deste só vem depois, quando o repertório já ganhou musculatura?

Pela minha percepção, com a consolidação nos últimos anos do streaming como a principal forma de consumo de música (e acredito que esta veio para ficar por mais tempo), vimos o formato álbum ser valorizado outra vez, pois, por sua natureza, ele acaba gerando mais receita ao artista: do ponto de vista da rentabilidade, é melhor lançar 8, 10, 12 ou mais músicas de uma só vez na plataforma, do que somente um single. Além de que o status que se ganha também é maior, o peso do seu trabalho, por assim dizer. Isto, claro, a depender do estilo musical praticado, alguns se adaptam melhor aos singles ou EPs, comunicam-se melhor com o seu público dessa forma (uma questão estética, muitas vezes). Mas, no caso do Charme Chulo, somos da escola clássica, em que o álbum é pensado como um livro, como uma história, com começo, meio e fim, retratando um momento da banda, do mundo, então ele surge antes das músicas, e por isso é quase ponto de honra manter esse formato. Mas, para nós, o mais importante é: temos realmente algo a dizer? Então vamos nos esforçar para que tudo seja dito.

Em 2019, com a participação das vocalistas da Tuyo, vocês lançaram o single “Mais além”, uma balada que destoa do tom ácido despejado em “Crucificados…”. Teremos mais canções nesta linha? Há outro single com lançamento previsto para antes do novo álbum? E quanto às participações especiais, teremos mais alguma surpresa?

O single “Mais além” foi um grande experimento pra gente. Uma estrutura, letra e canção pensadas meticulosamente. Equilibrando, talvez, um pouco o peso anterior, presente no “Crucificados…”, com a busca por novos horizontes, diferentes de todos já trilhados no passado pela banda. Evidentemente que a participação especial das irmãs da banda Tuyo, com suas vozes maravilhosas, dão um destaque tremendo para essa gravação, fazendo dela algo singular na história da banda, mas a música em si, sua proposta estética, é o modelo do novo álbum. Esse conceito diluiu-se um pouco ao longo do processo de composição do repertório, mas posso dizer que ao menos outras quatro canções seguem nessa linha mais pop, e as demais dialogam sempre com esta roupagem. Todas absolutamente Charme Chulo! O disco contará com a participação de outros músicos, mas no que se refere a vocalistas, apenas “Mais além”,com Tuyo.

Como está sendo o processo de produção do novo disco em meio à pandemia? O isolamento social afeta de algum modo os processos de composição, gravação e produção do disco? A banda tem se reunido para tocar o projeto ou consegue fazer tudo a distância?

Já estamos satisfeitos com as composições. Entramos agora na fase de pré-produção, muito importante pra atingirmos o resultado sonoro que buscamos. Começamos o processo de forma remota, que até agora está fluindo bem. Aliás, estamos trabalhando no segundo single do álbum, que deve ser lançado antes do disco, em uma live (pelo menos num formato de live), com data ainda a definir.

Pra fechar, tem mais algum segredo a respeito do novo disco que vocês poderiam revelar aqui, em primeira mão?

Quem é um pouco mais atento ao trabalho da banda, sabe que os títulos das músicas são importantes na estética do Charme, então adianto alguns títulos já definidos: “Feio favorito”, “Perdidos na bagaceira”, “Rabo de foguete”, “Você nunca irá dançar comigo”, “Nem a saudade”. Manter a cultura viva neste momento tornou-se uma questão quase de guerrilha, uma guerrilha cultural, na verdade, em tempos obscuros, onde temos que seguir acreditando, mesmo porque, como diz o ditado, mar calmo não faz bom marinheiro. Estamos tentando unir forças, como no convite aos designers, que vão praticamente ceder seu trabalho ajudando no financiamento do álbum, esperando que nós também, de alguma forma, através do nosso público, ajudemos a disseminar o trabalho e o nome deles e delas por aí. Com isso, gostaria apenas de agradecer a todos e todas que nos curtem e nos acompanham e, a quem está lendo essa entrevista, dizer que, por tudo que estamos passando, com “O negócio é o seguinte” prometemos o maior prazer possível para vossos ouvidos e corações sedentos, os mesmos que nos fazem chegar vivos à altura dos quase 20 anos de carreira.

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