Caverna dos Destinos Cruzados estreia um novo canal para a arte local

Está no ar a primeira série paranaense adaptada da literatura para IGTV

Dizem que quando há uma vontade genuína, o universo conspira a favor. Talvez seja isso que garantiu bons auspícios para a série paranaense inédita que chegou ao IGTV: “A Caverna dos Destinos Cruzados”, adaptação para o audiovisual do livro homônimo — escrito a quatro mãos por Monica Berger e Sérgio Viralobos — que traz em suas páginas o encanto da poesia entrelaçado com mistérios revelados pelo Tarô do Fim do Mundo

Aqui nada é por acaso. Há um poema para cada um dos arcanos maiores, na obra que é uma espécie de fábula sobre Pan e Lobo, personagens saídos de outras histórias. Monica assinou anteriormente um blog chamado Palavra de Pantera, Sérgio usa o Viralobos como pseudônimo desde o início do caminho traçado na música e na poesia, e os dois são amigos de longa data. As ilustrações da publicação são do também escritor e tarólogo Leonardo Chioda. “Também” porque a autora, Monica, é uma das mais prestigiadas tarólogas do Brasil, círculo onde é conhecida como Zoe de Camaris.

Escolha um episódio e veja a sua carta

Para colocar os 22 poemas diante das câmeras, outras figuras entraram no jogo. Uma das principais foi Di Florentino, diretor de cena da Trópico. A dica sobre a produtora veio da estrela da série: Nena Inoue, atriz ganhadora dos Prêmios Shell e do Troféu Gralha Azul. Ao seu lado no elenco, está Ricardo Nolasco, integrante da Selvática Ações Artísticas e do Estábulo de Luxo, diretor, ator, performer e — tarólogo.

O diretor afirma que quando se adapta um livro, as possibilidades são inúmeras, mas foram as cartas que indicaram o caminho: “O vídeo tem o mesmo formato das cartas, porque elas têm aquele formato 9:16 e não 16:9. Observando, elas parecem tanto com IGTV, que hoje tem conteúdo horizontal, mas começou usando a proporção vertical. Tem tudo a ver a gente fazer a janela 9:16 com as cartas para a pessoa clicar e entrar no universo do vídeo. Essa foi a ideia criativa, depois veio o ´vamos fazer isso de fato´ a primeira adaptação de um livro aqui do Paraná para IGVT.”

Outro ponto fundamental para o resultado foram os fornecedores e profissionais que abraçaram o projeto, pois sem eles não haveria como realizar a série com os valores previstos pelo edital da Fundação Cultural de Curitiba, com recursos da Lei Aldir Blanc. “A Zoe comentou muito a questão do tempo ao longo de um dia dos arcanos, isso possibilitou a criação da luz. Então optamos por uma locação, como se fosse um estúdio, onde se pudesse criar as atmosferas de leitura, do desenho da luz do dia e da noite nas cartas. Foi o ponto onde chegamos até a Alfaiataria, um espaço com vários ambientes para fotografia e filmagens, que virou parceira também”, explica Di.

Algo de mágico no ar 

A equipe criativa contou com Luiz Ferreira na trilha sonora, Vino Carvalho na direção de fotografia, Gi Bertoldi na assistência de câmera, Guilherme Jaccon na produção de set e motion design da We Move, além da dupla responsável por uma das camadas mais encantadoras, entre todas as que envolvem a obra: Jojo Studio nos cabelos e maquiagens, e Áldice Lopes nos figurinos. Aldice ainda trouxe na manga o acervo do estilista Ronaldo Silvestre para — a partir das ilustrações do livro — criar composições capazes de deixar o espectador ainda mais hipnotizado pelos atores durante a declamação-encenação dos poemas.  

A absoluta sinergia entre a equipe foi comentada, por todos os entrevistados, como algo quase mágico, diferente do que se encontra em muitos sets. Teria sido inclusive um ponto positivo diante dos desafios impostos às filmagens no momento atual, tudo foi gravado em uma única diária, com número reduzido de profissionais presentes e adoção de protocolos especiais para diminuir os riscos de contaminação pelo coronavírus. 

É ainda pensando sobre as limitações impostas à arte hoje que o diretor fala sobre a importância da série como modelo: “É muito importante pensar num projeto online agregado, em como será a distribuição desse conteúdo. Podemos fazer um bom conteúdo, só que como a gente vai articular a distribuição? Como fazer a estratégia de lançamento e de marketing digital? Porque a gente vislumbra público.” Sabrina Demozzi, da Trópico, é quem está à frente das redes do projeto. 

Era pra ser

Desenho sobre o tempo ao longo de um dia dos arcanos que inspirou a criação da luz, enviado pela autora a Di Florentino.  Foto: Monica Berger

A série é em grande medida a potência dos dois artistas que interpretam os 22 episódios, arcanos e poemas. A escolha de Nena Inoue partiu de Monica, e não poderia ser diferente. Os destinos já haviam se cruzado no passado. “Nós moramos juntas uma vez e temos uma ligação muito forte, é uma grande amiga. Então falei: quero a Nena. E, depois, é um momento em que a carreira dela está explodindo. Eu sabia que ela não iria negar”, confirma a autora. 

Para Nena, o convite foi especial: “Trata-se da Monica, que é minha amiga, mas nunca tínhamos trabalhado juntas, e também pela equipe toda: Sérgio, Ricardo, Ferreira. É como se o universo da literatura de Curitiba me abençoasse abrindo portas, porque é a primeira vez que a literatura me chama, que não sou eu que faço o projeto, que é um povo de literatura que me convida”.

Ricardo também entrou no jogo pelas mãos de Zoe, os dois mantinham contato pelo Instagram. Conforme explica o ator, “para a minha geração de estudantes de tarô, a Zoe é a papisa. Um dia ela me mandou este livro. E eu fiquei com vontade de ler um poema no Stories e começou ali, na verdade, a minha participação dentro do projeto. Fiz o Stories, e acho que a Zoe gostou. Ela conversou com o Sérgio e daí começou a surgir a ideia da adaptação.”

A escolha dos papéis também não foi prevista, segundo a taróloga: “O pessoal estava bem incerto, meio na loucura. Fizemos um primeiro encontro e resolvemos que seria alternado. A Nena falou “eu começo” e leu o Louco, o Ricardo leu o Mago. E assim foi.” O ator complementa falando sobre as dualidades e energias densas presentes no baralho, que possibilitaram leituras inusitadas, “eu gosto de chamar de “caos-acaso”, eu acho que tem um embaralhamento que é da vida. O tarô é um livro de páginas soltas, é a fragmentação como reconexão das coisas. E isso aconteceu, o embaralhamento de por acaso a Nena ler e a partir daí tudo foi se definindo.” 

O personagem mais impressionante, para Ricardo, foi A Lua, pois a interpretação teria entrado no campo da magia misturada com a arte. Para a atriz, A Roda da Fortuna primeiro foi um susto e depois pediu uma “atitude de responsa”: “O que eu mais gosto de fazer, normalmente, não tem a ver com a minha performance, tem a ver com a importância da obra. E a Roda da Fortuna inclui um poema de Sérgio Viralobos e do Marcos Prado. Então, fazer O Homem de Ferro [poema de Marcos, musicado pela banda Beijo AA Força, que Sérgio fez parte], um hino de uma geração, é muito emblemático. É um clássico que atravessa gerações. Eu conheço essa turma, acho da “pesada”, e me sinto ungida por esses poetas do punk rock, da literatura, da música curitibana da melhor qualidade.”

O livro que deu origem à série 

A ideia estava no ar não era de hoje, Monica conta que ainda “meninota”, nos anos 90, em uma viagem ao Rio de Janeiro se hospedou na casa de um amigo yogi. Lá ele explicou que o mundo estaria dividido em idades do tempo e que a humanidade estaria em seu pior momento, o final da Idade do Ferro. 

Depois, por volta de 2003, na companhia de João Acuio e em meio a muitas cervejas, a ideia pipocou no ar. “Fazer um tarô degradado, com imagens arquetípicas correlatas ao tarô. Pensamos em pessoas que morreram de forma trágica, mas que impressionaram a humanidade com seus feitos, loucuras, criações. Continuei com a ideia na cabeça e comecei a escolher as imagens, tendo em mente a iconografia. Por exemplo, a carta do Diabo, é um diabo com duas pessoas na frente amarradas a ele por correntes, parece que não estão vendo a maldade. Aí, encontro uma imagem do Hitler com as duas criancinhas alemãs fofas, e ele sorrindo e abraçando as duas. Depois uma imagem da Marilyn Monroe, para a Estrela”, conta a escritora.

A taróloga começou a unir imagens e justificativas num blog, mas a vida suspendeu o projeto. Engravidou e o tema era pesado para ser levado adiante. Anos depois, adota o livro de Ítalo Calvino, O Castelo dos Destinos Cruzados, como tema nas oficinas literárias em que leciona. Na obra, o tarô é quase um personagem. Seria um oráculo?

Há uns cinco anos a ideia aparece na mesa novamente com um verdadeiro “fazedor” do mundo das artes. Em um encontro com o amigo Sérgio Viralobos, o tema entra no papo. A taróloga se surpreendeu pelo interesse, considerando que ele era de uma moçada punk, que não gostava desse tipo de assunto. “Achei interessante, porque costumo publicar minhas poesias no Facebook e sempre ponho alguma imagem que acrescente alguma coisa. Daí, pensei, a gente podia fazer um poema para cada carta, invés de só ficar na imagem. Ela topou na hora e começamos pelo Louco, a primeira carta”, afirma Sérgio. 

A escrita, conforme narrado por ambos, se deu ao longo de um ano e foi em boa parte à distância, ela em Curitiba e ele em São Paulo, por correspondência via Messenger. Um processo diário, quase religioso, com hora marcada. Eventualmente, se encontravam pessoalmente e, mesmo nas mesas de bares, continuavam a avançar para as próximas páginas. 

A nova batalha era como fazer para levar ao público. Sérgio fala sobre quais foram os próximos capítulos: “A gente tinha um sonho de publicar pela editora Demônio Negro, a editora mais Cult de poesia do Brasil hoje, onde o Augusto de Campos publica. Fomos apresentados ao Vanderley Mendonça, que é o editor, e foi tipo amor à primeira vista. Conversamos e ele topou na hora. Aí a gente concorreu e ganhou um edital.”

O livro foi lançado em Curitiba e Fortaleza, em 2019, e ainda eram previstos eventos no Rio Janeiro e em São Paulo para celebrar o sucesso. Foi quando a pandemia apareceu e mudou o caminho da Caverna dos Destinos Cruzados, que virou série no IGTV. Uma nova edição de luxo, incluindo o baralho do Tarô do Fim do Mundo e patrocinada pela própria Demônio Negro, já está no prêlo. Entretanto, não há data prevista para entrar em comercialização até que os brindes presenciais pelo lançamento possam acontecer.

Serviço:

Série A Caverna dos Destinos Cruzados 
Assista no perfil do Instagram: @acavernadosdestinoscruzados

Livro A Caverna dos Destinos Cruzados 
Esgotado na Editora Selo Demônio Negro
Poucos exemplares disponíveis para compra com os autores.
Enviar mensagem por WhatsApp para 41 9947-9323
Preço: R$ 20, mais custos do envio.

Sobre o/a autor/a

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