Assim na vida como em “BoJack Horseman”, alguém tem sempre que pagar a conta

Animação adulta da Netflix usa personagens animalescos para refletir sobre a condição humana

Sou assinante da Netflix há anos e já havia esbarrado, algumas vezes, com o trailer da animação “BoJack Horseman”. Nada que me chamasse a atenção. Na verdade, a obra – um original da própria Netflix – não parecia nada além de um grande besteirol americano, com personagens humanos e não humanos à mercê das canalhices do cavalo BoJack Horseman (e o cavalo não é força de expressão).

Horseman é uma espécie de celebridade em decadência, que consegue unir uma ausência extrema de caráter (meio Macunaíma) à prepotência e todos os aspectos negativos e tóxicos da fama. Foi só depois de muita insistência de um amigo que me convenci a assistir à série.

No começo foi difícil: embora seja uma animação, a narrativa mostra uma realidade muito palpável, em que homens com dinheiro e certo nível de influência agem exclusivamente em interesse próprio, sem arcar com as consequências de suas ações. Horseman cria constrangimentos, humilha e usa pessoas, abusa de substâncias como álcool e drogas. E nada nunca parece lhe alcançar. Até que um dia as coisas mudam.

Na animação, assim como na vida real, alguém, em algum momento, tem que pagar a conta.

Umas semanas atrás, no Twitter, vi uma brincadeira sobre “filmes e séries que jamais teriam acontecido se os protagonistas tivessem feito terapia”. “BoJack Horseman”, com certeza, estaria nessa lista. As situações evoluem, as pessoas crescem, e os BoJacks da vida acabam no ostracismo, relegados à sua mediocridade e à solidão daqueles que perdem o pouco que ainda importava. Mesmo que isso demore.

O segredo da animação talvez esteja na virada de chave que revela conflitos emocionais, angústias e questionamentos existenciais que caberiam a qualquer um de nós.

Aos poucos, o humor seco e irônico vai desvelando camadas mais profundas de um protagonista animalesco, mas extremamente real: Horseman é um completo idiota, mas também é – em boa parte – vítima. Dois lados de uma mesma criatura com que é difícil de lidar. Não há nada mais complexo, e humano, do que esses tons de cinza.

Os acontecimentos, ou a vida, se desenrolaram até o ponto em que Horseman perde o controle, então entram em cena – na sexta e última temporada – as inevitáveis consequências.

É o 16º episódio, “Bom enquanto durou”, que fecha a saga de Horseman em um dos desenlaces mais reais e humanos que já vi: uma porrada que serve de lembrança da nossa humanidade.

Serviço
“BoJack Horseman” está disponível na Netflix. A animação adulta tem classificação indicativa de 16 anos. As cinco primeiras temporadas têm 12 episódios de 26 minutos; a sexta e última tem 16 episódios, com a mesma duração cada um.

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