Território sagrado

Documentário da HBO vencedor do Emmy 2020 explica a importância do teatro Apollo para o Harlem e para o mundo

A medida da importância que o teatro Apollo tem para o bairro nova-iorquino do Harlem, e para a música negra americana, é dada pela morte de James Brown em 2006.

Tenha em mente que se trata de uma comunidade bastante religiosa, batista em grande parte, com centenas de igrejas espalhadas pela vizinhança.

Ainda assim, quando Brown morreu, seu velório não foi em uma igreja. Foi no Apollo. E as pessoas fizeram peregrinações até Nova York para se despedir do homem que dizia “I Feel Good” e “Please, Please, Please”. Com certeza a voz mais famosa da música soul em qualquer época.

Brown foi apresentado pela última vez, como se fosse um espetáculo derradeiro, pelo reverendo Al Sharpton. “Ele começou com nada e conquistou o mundo!”, disse o reverendo. A plateia concordava com gritos de  “amém”.

“Abram o caixão e deixem o povo ver um homem de verdade!”, disse Sharpton. O público grita e aplaude de pé para o corpo de James Brown no caixão aberto sobre o palco.

A cena aparece em “O Apollo: 85 anos”, em cartaz na HBO e vencedor do prêmio Emmy 2020 de melhor documentário. É um dos pontos altos do filme, mas de maneira nenhuma o único.

A galeria de cantoras e cantores que começaram ou passaram pelo Apollo é impressionante. Teve Ella Fitzgerald e Aretha Franklin. Teve, de uma geração mais nova, Lauren Hyll. Ela se apresentou, aos 13 anos, no célebre espetáculo de amadores que ainda ocorre todo sábado à noite e foi vaiada sem dó pelo público.

O Apollo fez 85 anos em 2018 e o documentário é do ano passado. O filme percorre toda a longa história do teatro, que viveu vários períodos difíceis e chegou a ficar fechado por um tempo nos anos 1970, quando a cidade se tornou particularmente violenta.

Criado em 1913, a primeira razão de ser do Apollo foi dar espaço para a comunidade negra, proibida de frequentar casas de shows “tradicionais” por causa de leis segregacionistas. Os únicos negros que podiam entrar nesses lugares eram os artistas.

Com o Apollo, figuras importantes como Louis Armstrong e Sammy David Jr. encontraram uma forma de protestar contra o estado das coisas na América: enquanto cobravam caro para se apresentar em teatros com plateias brancas, com frequência faziam espetáculos gratuitos (ou com ingressos bem mais acessíveis) para o público do Apollo.

Não passa despercebido que, mesmo em um país rico como os Estados Unidos, um teatro importante precisa de dinheiro público para continuar funcionando. Por mais de cinco décadas, explica o documentário, o Apollo foi deficitário porque não vendia ingressos suficientes.

Quando havia espetáculos bons, os 1.500 lugares ou não davam lucro ou tornavam o ingresso caro demais. (Como referência, o Teatro Guaíra tem quase 2.200 lugares.)

Hoje, o Apollo é mantido por meio de uma fundação e é propriedade do governo estadual de Nova York desde 1991.

Documentário

“O Apollo: 85 anos” está em cartaz na HBO Go.

Sobre o/a autor/a

2 comentários em “Território sagrado”

  1. Irineo eu vi este documentário. Coisa mais linda….me emocionei com cada detalhe e lamentei não ter tido tempo de visitá-lo. Belo texto.

    1. Irinêo Baptista Netto

      Oi, Monica. Obrigado pela leitura! Eu nunca visitei o Apollo, mas, depois de ter visto o documentário, foi um pouco como se tivesse visitado…

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