Spielberg faz uma boa versão de “Amor, sublime amor”, mas…

…o clássico de 1961 tem mais impacto emocional e uma coreografia marcante a ponto de ganhar vida própria

Foi como se o diretor Steven Spielberg tivesse se dado um presente: o de fazer um remake do musical “Amor, sublime amor” (1961), vencedor de dez estatuetas do Oscar (a de melhor filme entre elas). A nova versão, que leva o mesmo nome, está em cartaz no Disney+.

Da minha parte, tive dois prazeres com a versão de mr. Spielberg: (1) ver Mike Faist dando uma dupla pirueta no fim do número musical “Cool”; e (2) assistir à novata Ariana deBose explodindo de carisma e talento em qualquer uma das cenas de que participa.

O clássico de 1961 – também conhecido no Brasil pelo título original, “West Side Story” – tem uma legião de fãs e foi dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins. Quatro anos depois, Wise faria “A Noviça Rebelde”, com Julie Andrews.

Spielberg, talvez o cineasta mais bem-sucedido financeiramente de todos os tempos, deu carta branca a si mesmo para fazer a sua versão da obra clássica. Em entrevistas, ele disse que sempre quis filmar “Amor, sublime amor”. E não foram poucas as críticas que sofreu por querer mexer com um filme querido por muita gente.

Shakespeare

É necessário destacar que o “Amor, sublime amor” de 1961 é baseado em um musical da Broadway, realizado em 1957, que atualiza a história da peça “Romeu e Julieta”, escrita por William Shakespeare. A releitura nova-iorquina substitui a Verona medieval por uma região pobre na Nova York dos anos 1950. Montéquios e Capuletos são, agora, as gangues rivais Jets (os americanos) e os Sharks (os imigrantes porto-riquenhos). Não é preciso dizer que os latinos sofrem pesado preconceito dos seus opositores. 

Esses jovens, que não trabalham nem estudam, lutarão por “poder” nessa área degradada da cidade e tentarão barrar o amor entre o americano Tony e a porto-riquenha Maria.

A história é contada com a “ajuda” da música do lendário maestro e compositor clássico Leonard Bernstein (que também compunha obras populares). As letras são de Stephen Sondheim, na época um jovem que viria a se tornar um dos melhores compositores de musicais dos Estados Unidos. As canções são potentes e muito boas. Entre elas, estão as conhecidas “Tonight”, “Somewhere” e “América”.

A coreografia

Apesar de realizar um filme bonito, Spielberg fez uma interpretação um pouco “desbotada” de “Amor, sublime amor”. O filme novo tem boas atuações e boas danças, mas o anterior tem uma coreografia que foi marcante a ponto de ganhar vida própria (mais do que o filme em si).

Ainda assim, o filme de Spielberg tem grande competência técnica e beleza plástica, com destaque para a fotografia e os cenários. De fato, é um prazer para os olhos, apesar de tudo parecer um pouco lustroso e limpinho demais (mesmo em cenários que destacam a sujeira do local). Bem, estamos em um musical, gênero que tem mais liberdade para apresentar a realidade da forma que quiser.

Mas a força visual do filme de 1961 é muito superior, assim como o impacto emocional. Em especial na parte final, com uma sucessão de choques nervosos. Já a versão de Spielberg é, claro, melodramática e, surpresa, um pouco deprimente (talvez sinal de tempos mais pessimistas?).

Tony e Maria

Tony, o Romeu moderno, é interpretado pelo galã juvenil Ansel Elgort, famoso por “Baby Driver” e “A Culpa é das Estrelas”. Apesar de ele ser mediano, assim como Richard Beymer era na versão de 1961, nossa simpatia pelo personagem aumenta (até nos emocionamos um pouco com sua “bondade” e seu destino).

Já a Maria da estreante Rachel Zegler é encantadora e canta lindamente, ao contrário da Maria de Natalie Wood, que foi dublada. No entanto, a antiga estrela tinha um carisma massacrante.

Tony e Maria, na versão de Spielberg. (Foto: Divulgação)

Bernardo e Riff 

Bernardo, líder da gangue porto-riquenha e namorado de Anita é interpretado pelo novado David Alvarez, que já tem carreira nos palcos. Infelizmente, apesar de cantar bem, o ator tem desempenho apenas razoável, e o seu Bernardo não parece muito inteligente (foi o objetivo do ator?).

Muito melhor resultado conseguiu George Chakiris, que fez o personagem na obra de 1961. Com um rosto comprido que parecia um desenho feito a lápis, e uma cintura muito fina, parecendo um “palito”, seu Bernardo dançava de forma espetacular, era charmoso e, melhor de tudo, tinha uma feição que projetava inteligência.

O grande rival de Bernardo, o americano Riff, foi interpretado nos anos 60 por Russ Tamblyn, ótimo ator e dançarino. Foi perfeito.

Na versão de Spielberg, Riff é o estreante Mike Faist, que tem sólida carreira no teatro. Ele é realmente muito bom como dançarino, cantor e ator dramático. Ele entende o estado existencial de Riff: apesar do prazer que sente em dançar, namorar, beber e vadiar com os companheiros, existe a desesperança de um jovem pobre sem futuro, sentimento que desagua em atos de violência sem sentido. Acho que o ator é o grande destaque da nova trupe. A sua pirueta dupla no final da canção “Cool” – mencionada no início deste texto – é muito bonita e esplendidamente capturada por Spielberg.

Anita

Mike Faist é a principal revelação, mas a Anita de Ariana DeBose fica um centímetro atrás, apenas. Ela é uma Anita formidável, inteligente, bem-humorada e muito prática. Seus objetivos ficam claros na canção “América”: ela está nos Estados Unidos e, com muito otimismo, quer trabalhar e prosperar “naquela terra tão moderna”. Ficamos empolgados com ela, mesmo sabendo que o futuro dessa (e de outras) latinas não será tão solar na América.

Suas cenas com Maria, nos momentos finais do filme, quando a tragédia já está em curso, são tocantes, mas, instantes depois, a cena mais brutal do filme a aguarda. Ela realiza o desafio com bravura, quase no mesmo nível da incomparável Rita Moreno, a Anita de 1961.

A senhora Rita Moreno, que acaba de completar 90 anos, ganhou um papel no novo filme. Ela interpreta Valentina, a dona de um armazém onde Tony trabalha. Na versão anterior, esse papel era interpretado por um homem, mas Spielberg redesenhou o personagem para que fosse possível trazer Rita à nova obra.

Valentina é porto-riquenha, vive há muito tempo nos Estados Unidos e é viúva de um americano. Nesse contexto, ela acompanha o racismo e a violência nas ruas de seu bairro. Portanto, quando canta “Somewhere”, sabemos que ela já não tem mais esperanças.

Streaming

“Amor, sublime amor”, a versão de Steven Spielberg, está em cartaz no Disney+. O filme tem sete indicações ao Oscar 2022.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima