Amigo I
Recebo uma comovente carta de confissão
de um amigo que me roubou um livro
promete devolvê-lo assim que terminar
O livro é tão bom que, entende, agora,
roubou-me um tesouro
“Preciso comentar alguns poemas contigo”
Incapaz que sou de admitir minhas fraquezas,
convencida que estou de que minha ridícula personalidade será descoberta se eu baixar a guarda,
invejo o ladrão por seu destemor
Confessa seu malfeito e me convida para um chá
onde discutiremos aqueles versos
que falam do amor carnal e das neves tardias,
tesouros ocultos nas páginas do livro
que ele me tomou.
Amigo II
Ele me aconselhou a dedicar-me ao jornalismo
e arranjar um amante ardente,
o que me parece um ótimo plano.
Sei que para ele, é o desenho de uma vida modesta
portanto adequada a minha pequenez.
Pois para mim, soa magnífica.
Pergunto se, pela primeira vez, me dá conselho tão pessoal porque está se despedindo.
Meu velho amigo então declara que não quer saber nada da morte,
sua morte – incrível e absurda
Não concebe e não admite que em dez ou vinte anos não continue levando a vida de hoje.
Que outros desapareçam é um fato doloroso – nem sempre
já seu próprio desaparecimento é impensável,
impossível.
Respeito meu amigo
e sua profunda convicção me faz crer que é eterno e que eternamente estarei com ele.