American Vandal é divertido e educativo jornalismo “de mentirinha”

Falso documentário investiga "crimes" em escolas e o caminho tortuoso entre a dúvida e a verdade

Um aluno problemático e brincalhão é acusado de vandalizar os carros dos professores de uma escola com desenhos de pênis. O mesmo aluno é conhecido por desenhar pênis em quadros negros, carteiras e fingir estar transando com objetos inanimados. Mesmo assim ele se diz inocente e perseguido. Quem irá investigar esse crime?

Na série do Netflix American Vandal (2 temporadas, 2017 e 2018), os estudantes Peter Maldonado e Sam Ecklund se dedicam a investigar esse crime fálico e toda dinâmica da escola e do ensino médio americano. O estudante problema Dylan Maxwell é mesmo culpado? E se não é, quem desenhou nos carros dos professores?

Uma paródia dos documentários sobre crimes que lotam as recomendações da própria Netflix, American Vandal explora o gênero numa abordagem mais quinta série, cheias de pintos, bundas, pum e tudo mais que povoa o repertório cômico dessa faixa etária (uma tendência aprofundada na segunda temporada, que abandona o pênis e investiga um criminoso obcecado por cocô). Mas também usa e abusa dos “princípios jornalísticos” para chegar à verdade sobre o crime, afinal se Maxwell é inocente, alguém precisa salvá-lo da punição: a expulsão da escola que ele mesmo não levava muito a sério.

A “investigação” de Maldonado e Ecklund é cheia de gravações de depoimentos, entrevistas tensas e reviravoltas num aproveitamento exemplar da geração que está sempre sendo filmada. Em uma das “análises” mais complexas do programa, os dois reúnem todos os vídeos feitos numa festa para descobrir quem poderia ter pego uma latinha de tinta que os dois descobrem ser a mesma usada para vandalizar os carros.

Na segunda temporada, os dois vão para outra escola investigar um terrorista que está aterrorizando o lugar com cocô. Mais uma vez, o aluno acusado se diz inocente e Maldonado e Ecklund se entregam a uma jornada para descobrir quem realmente está apavorando os alunos.

O jornalismo de ambos não escapa dos desafios comuns da profissão. A uma certa altura da primeira temporada, Maldonado – que parece ter assumido demais o papel de vingador de Maxwell – se sente traído ao descobrir que a fonte mentiu para ele. Em outro momento, Ecklund, que nutre uma paixonite por uma colega, acaba magoando a moça quando desvenda o paradeiro de uma das suspeitas e descobre que ela estava com o namorado da amiga. Na segunda temporada ambos se questionam se ter aceitado se hospedar na mansão de uma das alunas e, no fim, também suspeita do caso, foi acertada.

Os dois também enfrentam problemas para continuar o trabalho quando o diretor os proíbe de filmar na escola. E levam um professor a ser demitido ao veicular um trecho de entrevista em que o docente elogia o corpo de uma aluna. Além de revelar detalhes da vida íntima de colegas de escola que se mostram pouco pertinentes para a investigação, mas danosos para as pessoas envolvidas.

Pode parecer que o seriado é só uma sequência de bobagens, mas apesar do tom pueril ele acaba mostrando de forma didática alguns do mecanismos da técnica jornalística. E principalmente a dificuldade toda de contar uma história estando no meio dela. Conclusões que parecem claras acabam se mostrando equivocadas, provas cabais que se mostram frágeis.

É uma reflexão leve, mas importante sobre um dos grandes desafios de hoje: a qualidade da informação. Mas sem o tom palestrinha. American Vandal também faz um bom trabalho tentando parecer real e só é traído pelos vídeos amadores bem filmados e os personagens que são lindos demais para serem pessoas comuns, o que se acentua ainda mais na segunda temporada. É entretenimento, mas também serve a um propósito relevante: usar jornalismo de mentirinha para mostrar que jornalismo de verdade dá muito trabalho e dor de cabeça.

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