A Trajano Reis virou jogo

Game Trajano Hell mostra universo underground da música curitibana

Empreendedorismo, loucura ou curtição? É difícil classificar, mas dá para dizer ao menos que é inusitada a nova empreitada de Rodolfo de Moraes, mais conhecido por seu nome artístico, GG Valentino. Trata-se do game “Trajano Hell”, um jogo — um tanto bizarro — que chega para tentar dar um “boot” na cena da música underground de Curitiba durante a pandemia. 

A ligação com a cena independente talvez explique a ânsia por fazer acontecer a música local, junto com a inquietude de quem sempre está inventando algo. O artista tem uma boa lista de ex — já foi das bandas “Buraco Suburbano”, “Maluco Velocet”, “Pineia”, e “Renegados do Folk” — e hoje toca com amigos na “Valentino 5 cordas”. Também se tornou empreendedor, com a abertura do estúdio Play 31 Glanstudio, em 2015. Ali passou a produzir diferentes talentos, gravar CDs e produzir videoclipes. 

Com as gravações, veio a necessidade da venda e distribuição dos CDs – eram caixas e mais caixas que precisavam ser “desovadas”. As tentativas surgiam no ritmo da criatividade: rolou distribuição de cartão com QR Code, para as pessoas baixarem músicas, e até entrega de pizzas junto com CDs. O disco mais pedido no cardápio renderia novas horas de estúdio para a banda. Não funcionou. “Não se vendem mais essas coisas. Mas a gente gosta do CD, gosta do vinil, gosta da camiseta, e fica nesse sonho de tentar vender. Então, comecei a tentar de outras formas”, afirma o músico.

Primeiro apareceu a computação gráfica 3D, que chegou com as medidas de isolamento impostas pela Covid-19. Depois para apertar o start foi um mosh, como conta GG: “Eu caí fundo em 3D, comecei a fazer os clipes em animação, sem as bandas virem aqui. Aí, pensei, estamos a um passo de fazer jogos. Vou criar o primeiro, que é o Trajano Hell, e a gente começa a vender as bandas em formato de jogos.” 

Sonhos kafkianos no Lino ´ s

Não é a primeira vez que a dupla Jogos & Música tenta o sucesso. AC/DC, Pearl Jam, Queen e Gusttavo Lima, são alguns dos que já entenderam que os games podem dar um buff (aquela força) para o time dos artistas. Principalmente na pandemia, com os shows parados. Então, o que dá originalidade ao Trajano Hell? Uma outra dupla: o lado b da noite e o sotaque curitibano.

“São sonhos de Kafka, pesadelos reais, onde acontecem absurdos”, afirma o idealizador. O jogo é uma espécie de jornada, na qual o gamer segue em terceira pessoa e recebe dicas de personalidades para cumprir missões. O público é adulto, conforme explica GG, tanto em função da temática (com referências a bebidas e drogas) quanto do enredo, que fala mais para quem soma uma boa quilometragem rodada na noite local, e também pela simplicidade dos comandos. 

(Alerta de spoiler.) 

Pode-se dizer que a primeira fase é a “curitibana raiz”. As instruções são que a cidade, sob pandemônio, transformou o underground em zumbis e você precisa ajudar GG Valentino a juntar 13 garrafas de conhaque para entregar ao Lino, dono do Lino’s Bar, que indicará o caminho para um novo movimento. Esse sonho-pesadelo acontece no Largo da Ordem e na rua Trajano Reis, locais que se misturam concentrando o fervo noturno da capital. 

Apesar de baseado no Google Maps, o visual não é realista, “Demos uma simplificada, é um cenário meio bizarrão, para rodar em todos os computadores. Não acertávamos algumas coisas, porque o computador estava ficando lento para as pessoas jogarem”, afirma o artista. O jogo, no entanto, ainda está pesado e demora para baixar. Como muitos usuários apontaram problemas, os desenvolvedores afirmaram que será liberada nova versão em breve, mais leve. 

Na segunda fase, o objetivo é ultrapassar a fronteira que os undergrounds veem como impedimento para o sucesso de quem é daqui: é preciso sair, levar o talento curitibano mundo afora. 

Um time de estrelas e figuraças

Os personagens são da música, da cultura e da noite, pessoas que influenciaram o trabalho de Valentino, que são admiradas por ele ou estão no seu círculo de amigos. Dá para trocar uma ideia com o Plá, Marcelo Maus, Babi Age, Fábio Elias, Rodrigo Barros Del Rei, Ozzy Osbourne, Rogério Skylab, e muitos mais. Entre os homenageados póstumos, além do Lino, estão Paulo Leminski, Marcos Prado, GG Allin, David Bowie, e o E.T. do Largo da Ordem, entre outros. 

A maioria apenas soube da participação depois de entrar no game: “Ele me colocou lá e me marcou na postagem. Eu não tenho inimigo nenhum, não tenho rixa com ninguém, não tenho briga, sou um cara de boas. Mas já que é uma ficção, eu imaginei o Fábio Elias “Bizarro”, como o vilão do Super-Homem”, afirma o vocalista e guitarrista da Relespública sobre seu personagem. 

Com Rodrigo Barros Del Rei, o Rodrigão, músico da Beijo AA Força e da Orquestra Sem Fim, não foi diferente: “Ele me avisou já mostrando no Facebook: Olhe você no jogo! Eu achei ótimo.” E vale também para bandas, algumas entraram de surpresa na trilha sonora. 

A estratégia do jogo 

Foram quatro meses de dedicação exclusiva para GG desenvolver, em dupla com Paula Joy (Paula Soares), as duas fases iniciais do Trajano Hell. Ele na animação e ela na modelagem 3D. Tudo começou do zero, foram assistindo a tutoriais e aprendendo. 

A iniciativa da dupla tem muito da personalidade de “fazedores da arte”, de quem vive da cultura alternativa, explica Rodrigão: “No caso do GG, é uma saída boa porque é um jeito dele cavar espaço. Como tudo na vida do underground, o alternativo se pauta por criar condições para funcionar, para se autopromover.” 

Fábio Elias também considera projetos como o do jogo fundamentais para a cena local: “Quanto mais coisas surgirem relacionadas a nós aqui, ao nosso quintal de rock, maravilhoso. Tem que falar, tem que fazer, tem que inventar moda mesmo. Agitem!”

A próxima fase

Como já rolavam cobranças dos curiosos, o caminho escolhido foi lançar as duas fases já prontas. A previsão é que o jogo esteja completo até o final do ano. “É um teste que estamos fazendo, com as trilhas da Valentino 5 Cordas. Eu espero que, quando a banda voltar a tocar, as pessoas saibam um pouco mais das letras, das músicas”, comenta GG.

E a grande aposta é no sucesso. Os desenvolvedores esperam oferecer o trabalho para outros grupos e logo criar jogos maiores, para quem tem condições de investir no produto: “Talvez fazer um jogo para o Sepultura.”

Coincidência ou não, GG — que segundo Rodolfo, é um apelido da época em que jogava futebol, quando os amigos o chamavam de Garoto-Gracinha por ser fominha com a bola — é uma gíria do universo gamer, a abreviatura de “good game”, ou seja: bom jogo!

Serviço

Jogo exclusivo para PC
Trajano Hell – Pandemônio 8 Bits
Gratuito
Público: Adulto
Criadores: GG Valentino e Paula Joy – Play 31 Glanstudio
Download: https://valentino5cordas.wixsite.com/valentino/game-trajano-hell

Sobre o/a autor/a

7 comentários em “A Trajano Reis virou jogo”

  1. Eu fiquei surpreso pela iniciativa!
    Tbm fico feliz, pois muitos se levantarão pra ajudar essa iniciativa. E eu serei um deles, que vou colaborar!
    Avante Valentino!!!

  2. Olá, o game não cabe na minha idade etária mas isso não me impede de admirar a competência e a criatividade do criador do Trajano Hell. Parabéns e boa sorte.

  3. Excelente matéria. Sobre a iniciativa do GG Valentino só posso dizer que é válida. É preciso fazer o artista curitibano aparecer num mercado muito fechado como é o de Curitiba.
    Parabéns!

  4. Achei bem legal a ideia de usar um jogo para divulgar músicas. até gostei da música do menu principal. Só acho que o game precisa de umas melhoras na parte de otimização, mas, considerando que ele só tem 4 meses e foi feito apenas por 2 pessoas, o jogo tá muito bom.

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