“A máquina do ódio” revela as engrenagens de regimes populistas no século 21

Livro da jornalista Patrícia Campos Mello argumenta que, hoje, alguns líderes usam a violência virtual para aumentar seu poder

O texto de “A máquina do ódio”, de Patrícia Campos Mello, tem velocidade e é bastante claro, como se respondesse à urgência dos temas que analisa e da época em que vivemos.

Quando você acompanha o noticiário dia a dia, é como se prestasse atenção em cada uma das árvores, mas não na floresta. O livro é uma oportunidade de ganhar distância, contexto e perspectiva, entendendo o lugar em que estamos no momento.

Ferramentas

Já se falou sobre o uso que alguns políticos fazem de ferramentas virtuais para aumentar seu poder, anular a oposição e, no caminho, manipular todo tipo de fato. “Este é o novo mundo em que vivemos: fatos são moldáveis”, escreve Mello.

Nesse mundo, Donald Trump, nos Estados Unidos, tem a cara de pau de mentir sobre algo tão trivial quanto o fato de ter chovido na sua posse como presidente. Ele disse que não choveu, apesar de milhões de pessoas (em Washington e pela tevê) terem testemunhado a chuva que começou no instante em que ele abriu a boca.

Para quê?

Mas o que ainda não se falou o bastante é como o uso que alguns líderes fazem de ferramentas como Twitter e Facebook no século 21 tem o objetivo (e o efeito) da polícia ideológica do século passado, com suas Gestapos, seus AI-5, suas KGBs.

Falando de Bolsonaro, porque ele é o desastre que o livro de Mello procura explicar: o que as ditaduras de antanho faziam na porrada, hoje o ex-capitão faz virtualmente com trolls e bots – os perfis militantes, falsos ou não, pagos ou não.

Quando um jornalista, ou um adversário político, ou quem quer que seja, diz algo que desagrada o presidente, sua “máquina do ódio” é acionada para destruir o inimigo.

O nome disso, como se sabe, é linchamento virtual.

Guerras

Mello é jornalista na “Folha de S.Paulo” e sua especialidade é política internacional – incluindo aí as guerras que a envolvem.

Assim ela foi correspondente do jornal na eleição de Barack Obama em 2004 e na de Donald Trump em 2016, além de ter acompanhado a votação na Índia que elegeu Narendra Modi o primeiro-ministro do país, em 2014.

Ela também cobriu os conflitos na Síria, no Iraque e no Afeganistão.

Na eleição brasileira de 2018, ela fez uma reportagem denunciando o uso do WhatsApp para o disparo em massa de mensagens contra Fernando Haddad, candidato do PT à Presidência. Os responsáveis eram empresários dispostos a influenciar o resultado da eleição, que para isso contrataram agências de marketing e pagaram muitos milhares de reais para enviar milhões de mensagens. (Depois se descobriu que a campanha de Haddad também fez uso dessa manobra, mas de maneira menos coordenada.)

A partir dessa reportagem, Mello virou alvo da máquina do ódio.

Prognóstico

No livro, ela conta qual é a sensação de ser linchada virtualmente e transcreve alguns xingamentos e ameaças que recebeu – vários deles, perturbadores (e impublicáveis aqui).

Depois de fazer o diagnóstico, Mello arrisca um prognóstico e, baseada em exemplos de Turquia, Nicarágua, Filipinas, Hungria e Índia, diz o que pode acontecer com o Brasil nos próximos anos.

(Nesse ponto, você entende por que existem tantos jornalistas ensandecidos – eles estão enxergando lá na frente.)

Apelo

Por mais difíceis que sejam os assuntos do livro, ele termina em aberto, com as investigações envolvendo fake news ainda em andamento no Brasil.

Um pouquinho antes do epílogo, ela faz um último apelo: “Em meio à ascensão de governos exímios em manipular a informação por meio das redes sociais, apoiar a mídia profissional é um dever cívico. Se a imprensa não resistir aos governos populistas, à manipulação das redes sociais e à recessão econômica, vão sobrar apenas os blogs e sites partidários, que não relatam nem analisam fatos, apenas corroboram crenças. Isso não é informação”.

Livro

“A máquina do ódio”, de Patrícia Campos Mello. Companhia das Letras, 196 páginas, R$ 39,90.

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