A Lenda de Candyman é uma aula sobre os traumas da violência racial

A Lenda de Candyman lida com séculos de traumas físicos e psicológicos, violências atuais que assombram a comunidade negra

Processar traumas históricos é uma das inúmeras possibilidades da arte. No cinema, ao transformar suas histórias em roteiros e imagens, diversos agentes sociais buscam compreender suas trajetórias e seus espaços no mundo, e difundir suas narrativas. O terror se tornou um dos gêneros favoritos para o relato de traumas decorrentes da violência racial, afinal há horrores na história da humanidade que somente este gênero permite ilustrar. É este exame de traumas que a diretora Nia DaCosta promove em A Lenda de Candyman.

O filme acompanha o artista visual Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II) que, durante uma pesquisa em busca de inspiração para novos trabalhos, se depara com a lenda urbana sobre Candyman (Tony Todd), um senhor negro que costumava distribuir doces para crianças e tinha um gancho no lugar da mão, brutalmente assassinado pela polícia por um crime que não cometeu. Segundo a lenda, basta dizer “Candyman” cinco vezes em frente a um espelho para que seu raivoso espírito apareça e mate quem o invocou. A história de Candyman está ligada a um bairro popular que passa por um processo de gentrificação, o que inspira Antony. Porém, ao exibir uma obra baseada no monstro, o artista dissemina a lenda, e Candyman passa a ser invocado em diversas partes de Chicago, atormentando o artista com sua presença.

Com roteiro assinado por DaCosta, Jordan Peele e Win Rosenfeld, A Lenda de Candyman não se incomoda com sutilezas. Sem deixar espaço para interpretações, o filme tem como tema central a violência sofrida pelo povo negro nos Estados Unidos, em especial aquela provocada por pessoas brancas. A Lenda de Candyman quer que o espectador saiba disso, quer que esta verdade esteja queimada em sua retina quando fechar os olhos, que ele não se esqueça jamais que o racismo destruiu – e ainda destrói – milhões de vidas negras ao redor do mundo.

Embora sua intenção seja nobre, a didática do filme pode se revelar excessiva em alguns pontos. Talvez por não confiar na interpretação do espectador, o roteiro repete algumas explicações que sequer eram necessárias em primeiro lugar. Uma vez revelada a origem do monstro, fica clara sua motivação, no entanto, ela é repetida diversas vezes ao longo do filme. As motivações de Antony e de outros personagens também são repetidas com frequência. DaCosta conta sua história em imagens, a repete em diálogos e até em animações. Ideia já expostas que não precisariam de mais explicações.

A Lenda de Candyman possui com um vilão motivado por razões não só compreensíveis, mas justas. O monstro é uma encarnação de violências vividas por inúmeros homens negros através dos séculos. Sua natureza o torna o personagem mais interessante do filme, alguém sobre quem, como Anthony, queremos saber mais.

Apesar de sua temática densa, A Lenda de Candyman tem momentos de humor, brincando com o tropo sobre o comportamento inconsequente de pessoas brancas em filmes de terror. Pessoas negras já tem problemas suficiente para dedicarem tempo invocando demônios ou explorando sozinhas porões mal iluminados.

Com 1h31min de projeção, A Lenda de Candyman lida com séculos de traumas físicos e psicológicos, violências atuais que assombram a comunidade negra por todo o mundo. É um filme consciente de seu tema, de seu gênero cinematográfico e de sua atualidade.

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