A estranha ligação entre a Bienal do Rio, um livro infantil e neonazistas

Sabe aquele livro fake que estaria sendo vendido no Rio? Tem uma história estranha por trás disso

Se você ainda não me conhece, meu nome é Daniel Dago. Sou tradutor de literatura holandesa e tenho uma coluna neste jornal, onde divulgo furos literários no Brasil.

Assim que li sobre Brick Duna na Bienal do Rio, estranhei. Recapitulando: para justificar a censura a livros LGBT no supracitado evento, populares foram às redes sociais dizer que o livro “As gêmeas marotas”, de Brick Duna, estava à venda na Bienal.

Diversos veículos da grande imprensa – Globo, Estadão, Piauí – checaram e comprovaram se tratar de um livro lançado em Portugal, escrito por Brick Duna, autor que parodia a obra do holandês Dick Bruna, categorizado como livro erótico, não infantil, e não estava à venda na Bienal.

Antes de continuar, tenho que dizer quem é Dick Bruna. Bruna (1927-2017), é, provavelmente, o mais famoso desenhista holandês do século XX. Criador da personagem Nijntje (Coelhinha, em português), adorada por todas as crianças e adultos da Holanda, essa gracinha da foto abaixo. Uma lenda mesmo. Foi traduzido para dezenas de países, mas nunca no Brasil. Em Portugal, sim, há várias obras suas traduzidas. Em suma, Dick Bruna seria um Ziraldo ou Maurício de Sousa holandês.

Eu, como tradutor de holandês, fiquei horrorizado com toda essa história e fui correr atrás.

A primeira coisa que fiz foi ver quem era Brick Duna. Queria saber se era um holandês satirizando Dick Bruna. Pesquisei em livrarias holandesas, fundações literárias, e não encontrei nada, apesar dos cadastrados na Biblioteca de Lisboa e Biblioteca Nacional Portuguesa constatarem que a tradução é de Maria Barbosa. “As gêmeas marotas” não indica o título original, nem o copyright, tampouco o país. Depois de pesquisar em várias línguas e não encontrar referências, concluo que é um pseudônimo de um autor português satirizando Dick Bruna (lembre-se, ele tem vários livros em Portugal) e que Maria Barbosa não existe, pois todas as fotos nas redes sociais mostram apenas o livro em português, nunca em outro idioma.

Então pesquisei Brick Duna no Google holandês e aí chego ao ponto deste relato.

Encontrei um site de extrema-direita (eu diria nazista mesmo) em que extremistas holandeses, indignados com a sátira de Brick Duna, também fizeram suas pesquisas.

Baseado no cadastro da Biblioteca Nacional Portuguesa, os neonazistas acharam que “Maria Barbosa” era Maria Aparecida Barbosa, professora da Universidade Federal de Santa Catarina e uma das principais tradutoras de alemão do Brasil, chegando a colocar sua foto e traduzir via Google Tradutor o começo de seu Escavador/Lattes, fazendo associações que ela traduziu diversos autores judeus. Os neonazistas não se importaram de checar o próprio Lattes; se o tivessem feito, teriam visto que ela é brasileira, não portuguesa, não fala holandês e não traduziu o referido livro.

Fonte: reprodução site Fenixx

Enfim, só para ilustrar o poder e as ramificações que uma fake news pode ter.

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