Büchner viveu só 23 anos. Suas peças continuam sendo encenadas dois séculos depois

Politizado e emocional, Georg Büchner entrou para a história com "Danton" e "Woyzeck"

Não é fácil lembrar um autor que tenha conseguido emplacar uma peça no repertório do teatro mundial antes dos trinta anos. Imagine o que significa um sujeito que morreu com 23 anos ter deixado pelo menos duas peças que até hoje, quase dois séculos mais tarde, continuam sendo encenadas em toda parte.

Georg Büchner foi um dramaturgo nascido na Alemanha no turbulento início do século 19. No pouco tempo que teve de vida, se envolveu intensamente nas disputas políticas – e o teatro que ele escreveu fazia parte desse ímpeto de mudar as coisas.

Embora tenha estudado Medicina, o gosto de Büchner era mesmo pela política. Nascido cinco anos antes de Karl Marx, ele vivenciou as mesmas mudanças sociais que levariam à redação do “Manifesto Comunista”: a revolução industrial, a migração do campo para a cidade e a formação de uma classe de pessoas, até então sem nome, composta por trabalhadores mal-remunerados e sem especialização que povoava as novas fábricas. Era aquilo que mais tarde ficaria conhecido como “proletariado”

Büchner, revoltado com as condições dos mais pobres na sua região, o Hesse, escreveu um texto radical pedindo mudanças. A primeira frase se tornaria um clássico, e o símbolo do pensamento político dele: “Paz nas cabanas, guerra aos palácios!”

A liberdade de expressão não andava muito em alta, digamos. E a publicação do manifesto obrigou Büchner a fugir para não ser preso. Por um lado, isso o levaria a Zurique, onde faria seu mestrado. Por outro, durante o período em que escapava da polícia, ele se dedicou a escrever aquela que seria a sua primeira obra-prima, o drama político “A morte de Danton”.

O tema da Revolução Francesa fazia todo o sentido para alguém que queria levar a Alemanha a um novo modo de justiça social. E a ideia de Büchner, ao retratar o momento em que um dos principais artífices da revolução acaba caindo vítima do Terror de Robespierre, era mostrar as falhas que levaram o processo revolucionário a seu fim.

Danton, um dos líderes da Revolução, passa a ser perseguido e acaba guilhotinado. Seu julgamento é uma farsa – mas quando ele reclama disso, é lembrado que ele mesmo ajudou a formular as regras do tribunal revolucionário. Pouco antes de ser executado, enquanto é levado até a guilhotina, o personagem de Büchner diz que Robespierre logo o seguirá – no que ele estava absolutamente certo.

Büchner também escreveu a comédia “Leôncio e Lena” e uma novela intitulada “Lenz”, em que trata do enlouquecimento de um dos mais importantes autores do movimento Sturm und Drang, Jakob Michael Lenz. Mas seu último drama, o inacabado “Woyzeck”, seria ainda mais importante para garantir seu sucesso na posteridade.

Ao contrário do que acontece na peça sobre Danton, aqui o tema político não é tão evidente, embora esteja lá. Woyzeck é um militar estacionado numa cidade pequena que, por não ter um soldo adequado, precisa se prestar a todo tipo de humilhação em troca de dinheiro. Ele presta serviços braçais para seus superiores, que o tratam com desprezo, e empresta seu corpo para um médico que faz experimentos brutais de alimentação: durante toda a peça, Woyzeck está num regime em que só pode comer ervilhas.

O dinheiro que ganha, Woyzeck entrega para a amante, uma mulher bonita com quem ele teve um bebê. Enlouquecido pelos experimentos do médico e enciumado pela presença de um oficial que quer roubar sua Maria, Woyzeck acaba cometendo um assassinato. Büchner não chegou a escrever o final do drama, mas em geral as montagens terminam com ele se afogando.

A morte de tifo aos 23 anos impediu que ele continuasse a carreira brilhante – há quem aposte que ele poderia ter sido tão importante para a cultura importante quanto Goethe. Mas na década de 1870, suas peças foram redescobertas e ele se tornou um ícone, principalmente para os autores do expressionismo.

No século 20, suas peças foram filmadas por grandes diretores (Andrzej Wajda filmou “Danton”; Werner Herzog filmou “Woyzeck”); Woyzeck virou uma das óperas mais importantes do modernismo nas mãos de Alban Berg; e hoje o maior prêmio literário da Alemanha se chama Büchner.

Esse texto foi feito pelo Plural como parte das comemorações pelos 50 anos do Goethe-Institut em Curitiba

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