Adeus, Lênin

A história da Reunificação alemã exige que se conheça a história da Guerra Fria

No final de 1944,  a situação da Alemanha hitlerista era deseperadora. Os soviéticos, com superioridade bélica e numérica avançavam em diversas frentes. Na Itália, Mussolini – que tornara-se um  fantoche dos alemães – via o seu império desmoronar. Após o desembarque Aliado na Normandia, estabeleceu-se na frente oeste um rolo compressor que pôs em debandada o combalido exército alemão. Britânicos e estadunidenses se revezavam, com ataques aéreos, bombardeando cidades alemãs, algumas sem nenhuma importância estratégica. Era o espírito de vingança dos Aliados. Rodeado de generais subservientes, Hitler se apegava a falsas esperanças: uma cisão entre os Aliados e as “novas armas” que iriam reverter a sorte do conflito. 

No começo de abril de 1945, os soviéticos já estavam nos arredores de Berlim. Hitler permanecera na cidade. Diante da iminência de cair prisioneiro e de ser exibido como troféu pelos vencedores, no dia 30, o Führer cometeu suicídio. No dia 8 de maio, os alemães renderam-se incondicionalmente. Quando isso ocorreu, o território alemão estava ocupado pelos Aliados, notadamente estadunidenses e soviéticos. 

Na Conferência de Potsdam, a Alemanha foi dividida em quatro zonas de ocupação.  Soviéticos, britânicos e americanos concordaram que a Alemanha deveria ser desnazificada e democratizada. As atrocidades praticadas pelos alemães durante o conflito vieram à tona; porém, somente doze dos principais criminosos de guerra foram punidos com a pena de morte. Na parte controlada por britânicos e norte-americanos, notórios nazistas com qualificação foram utilizados nas novas administrações; já na zona soviética o processo de desnazificação foi mais radical, com mudanças econômicas profundas e renovação quase total dos funcionários.

Os crescentes desentendimentos entre Estados Unidos e União Soviética, que resultaram na Guerra Fria, tiveram graves consequências para a Alemanha, resultando em sua divisão definitiva em 1949: República Federal da Alemanha (capitalista), aliada dos Estados Unidos; e República Democrática da Alemanha (socialista), satélite de Moscou. A cidade de Berlim, no interior da Alemanha “comunista”, também foi dividida. 

A Alemanha Ocidental. com um território maior, mais populosa, teve substancial ajuda econômica dos Estados Unidos, através do Plano Marshall. Empresários e empresas que colaboraram com o nazismo puderam continuar operando, após um mea culpa envergonhado, sem maiores consequências. Não interessava ao “Tio Sam” que houvesse instabilidade na Alemanha  Ocidental, transformada numa espécie de vitrine  do sistema capitalista, diante dos “regimes totalitários” dos países da “Cortina de Ferro”. 

Já o território que coube à Alemanha Oriental era menor e bem menos desenvolvido. Enquanto os norte-americanos investiram na Alemanha Ocidental, a ocupação soviética na parte oriental caracterizou-se por uma espoliação de recursos naturais e pelo desmonte de diversas fábricas que foram enviadas como pagamento pelos prejuízos causados pelos alemães quando da Operação Barbarossa. A coletivização da agricultura, a estatização de grande parte dos meios de produção, a política externa subordinada à Moscou e um arremedo de pluripartidarismo caracterizaram a República Democrática (nada democrática) da Alemanha nos seus primeiros anos como Estado independente.  

No começo da década de 1960, as dificuldades econômicas e a falta de perspectiva levaram muitos alemães orientais a fugir para Berlim Ocidental. A perda de mão de obra qualificada fez com que o governo do Partido Socialista Unificado, com o aval de Moscou, construísse um muro isolando a Berlim capitalista do restante da Alemanha. Famílias e amigos ficaram separados. Apesar da retórica agressiva, o presidente John Kennedy não arriscou ir à guerra contra os soviéticos para impedir a construção do muro que se tornou um dos símbolos da Guerra Fria.

A economia da Alemanha Oriental evoluiu, porém, num ritmo muito inferior ao da Alemanha Ocidental. A qualidade e a quantidade de bens de consumo estava longe de satisfazer a sua população. A burocracia, os erros administrativos, a estatização ortodoxa, a coletivização da agricultura, a falta de capitais e de mercados, o modelo industrial obsoleto, a ausência de competitividade e de um espírito empreendedor emperravam o desenvolvimento. Apesar dessas limitação, os alemães orientais tinham um padrão de vida razoável: emprego, saúde, educação e moradia eram garantidos pelo Estado.

As mudanças ocorridas na União Soviética com a ascensão de Mikhail Gorbachev, com a sua fracassada perestroika (reformas econômicas) e a sua atabalhoada glasnost (abertura política), tiveram repercussões no Leste Europeu. Na Alemanha Oriental, o governo de Eric Honecker viu com desconfiança a onda liberalizante defendida pelo seu colega soviético. Considerado ultrapassado, Honecker foi substituído por Egon Krenz, que negociou a derrubada do muro. No dia 9 de novembro de 1989,  o porta-voz do governo reconheceu que o muro já não servia mais ao seu propósito. Sem o aval dos soviéticos (possuíam enormes contingentes militares na Alemanha Oriental) e as negociações envolvendo Ronald Reagan, Helmut Kohl e  Gorbachev o muro, por certo, não teria caído pela simples ação das “massas libertárias”.

Egon Krenz foi substituído pelo reformista Gregor Gysi, que convocou eleições livres e democráticas. Novos partidos foram organizados, incluíndo um poderoso grupo de oposição do Novo Fórum, Democracia Agora e o Despertar Democrático. O colapso da União Soviética e a derrocada da economia e da administração da Alemanha Oriental deram ao chanceler Kohl a oportunidade de reunificar a Alemanha. No dia 3 de outubro de 1990, a Alemanha Oriental deixou de existir. Reunificação ou anexação? 

Após a euforia veio a realidade. Os gastos para a reunificação e a entrada em larga escala de alemães orientais em busca de empregos na parte ocidental, aguçaram os preconceitos e rancores. Na antiga Alemanha Oriental, a decepção de muitos era real, pois perderam a “segurança do socialismo” e não obtiveram as “maravilhas do capitalismo”.

Paulatinamente a situação foi se estabilizando, contudo as diferenças e preconceitos persistem . Na última eleição (2021) na parte Oriental, o partido da extrema-direita ( Alternativa para a Alemanha) obteve expressiva votação, prova do descontentamento de muitos com a política desenvolvida nos últimos 16 anos pela chanceler Angela Merkel. Não é a volta do “comunismo” que assusta, mas dos “nazistas reciclados” que têm avançado na Alemanha reunificada. 

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