Você comeria no restaurante Comando Vermelho? E na churrascaria PCC?

A pergunta parece estranha, mas mais anormal ainda é o fato de existirem bares e restaurantes com nomes inspirados no submundo mafioso

Imagine-se passeando pelo centro de Roma e se deparando com a churrascaria Primeiro Comando da Capital. Ou sua atenção ser chamada por um restaurante de comida brasileira cujo nome é Comando Vermelho. Você entraria? Você comeria num local que homenageia uma poderosa organização criminosa?

A pergunta parece estranha, mas mais anormal ainda talvez seja o fato de existirem bares e restaurantes com nomes inspirados no submundo mafioso. Um dos que mais me chamou atenção fica em Niterói (RJ). A cervejaria Mafia estampa Al Capone e outros chefões nos rótulos, usa a hashtag #façapartedamafia nas redes sociais e oferece um serviço de delivery chamado de “mafia em casa”.

Não se trata de um caso isolado. Em Bento Gonçalves (RS) existe a pizzaria La Máfia; em Criciúma (SC), La Mafia Ristorante; em Londrina (PR), Mafia di Pasta, só para citar alguns. Basta dar um Google para perceber que a lista é muito maior. Na verdade, a romantização da máfia para fins culinários é um fenômeno mundial. 

“A exploração de nomes que remetem à máfia é um business que causa um pesado dano de imagem ao made in Italy por meio de estereótipos ligados às organizações mafiosas, e que banaliza até normalizar um fenômeno que provoca dor e lutos”, afirmou Ettore Prandini, presidente da Coldiretti (Confederação dos Cultivadores Diretos da Itália), em 2019.

A entidade compilou uma lista de bares, restaurantes e comidas do mundo inteiro que usam o “glamour” mafioso para lucrar. Um volume de negócios que vale milhões de euros. O caso mais espantoso é o do restaurante Corleone, em Paris, de propriedade de Lucia Riina, filha de Totò Riina, o falecido “capo di tutti i capi” (o chefão de todos os chefões) da Cosa Nostra, a máfia siciliana.

Curitiba também não resiste ao “fascínio” dos gangsters. A última novidade é a pizzaria La Camorra, que inaugurou nesta semana. Há anos existem a hamburgueria Dom Corleone e La Mafia Trattoria. Já o Padrino Café – referência ao Poderoso Chefão – fechou às portas. O Joe Bananas, apelido de Joseph Bonanno – o mafioso italo-americano que teve a ideia de reunir as poderosas cinco famílias de Nova York – continua fazendo sucesso no Água Verde.

A “marca” máfia vende. Seja no cinema, na literatura ou à mesa. Ainda mais a máfia italiana. Levante a mão quem já viu por aí restaurantes inspirados nos cartéis mexicanos, na yakuza japonesa ou no crime organizado russo. Teremos um dia bistrôs e cafeterias homenageando o jogo do bicho, as milícias cariocas ou os esquadrões da morte? Talvez, se essas máfias passarem por um processo de glamurização como aconteceu com a italiana.

Pelo menos desde a estreia do Poderoso Chefão, em 1972, a máfia italiana ganhou ares de folclore e passou a suscitar simpatia e atração ao invés de desprezo e repulsa. Não há crime organizado que tenha sido retratado no cinema tantas vezes quanto a Cosa Nostra, seja na versão original da Sicília e na sua correspondente nos Estados Unidos.

Apesar de ser a mais famosa, a siciliana não é a única máfia da Itália. Nos últimos anos tem ganhado notoriedade mundial a Camorra, oriunda da região da Campânia, onde fica Nápoles. Isso se deve sobretudo ao livro Gomorra, lançado em 2006 pelo jornalista Roberto Saviano, do qual foram extraídos uma série de sucesso e um filme não tão brilhante. 

Continuam pouco conhecidas fora do país da bota a Sagrada Coroa Unida, da região da Apúlia, e a ‘Ndrangheta, da região da Calábria. Apesar de agir longe dos holofotes, essa última é hoje uma das organizações criminosas mais poderosas do mundo – tendo ultrapassado Cosa Nostra em poder, dinheiro e influência – com ramificações em todos os continentes e em contato direto com os narcos colombianos, mexicanos e brasileiros.

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8 comentários em “Você comeria no restaurante Comando Vermelho? E na churrascaria PCC?”

  1. Quem mora na quebrada não se pergunta essas coisas. Comemos onde a barriga está vazia, sem julgamento moral!
    Aqui em Curitiba tem até imobiliária com o nome Senzala!
    Às vezes essa página parece legal.

  2. Leandro Cavassin Neto

    A glamorização do crime tem seu sucesso pela a curiosidade que esse tipo de atividade causa. Assim como a máfia italiana, japonesa, etc., a brasileira tb tem seu lugar e nesse espaço estereotipado (estou longe de apoiar esse tipo de atividade). A pergunta que fica é se um restaurante com o nome de trabalhador assalariado chamaria tanta atenção assim?! Talvez para comer um PF caprichado.

    1. Quem mora na quebrada não se pergunta essas coisas. Comemos onde a barriga está vazia, sem julgamento moral!
      Aqui em Curitiba tem até imobiliária com o nome Senzala! Os nomes usados nesta cidade são muito mais ofensivos para quem não é “eurobrasileiro” rsrs
      Comer em casa de criminosos no Brasil nunca foi um problema, muito menos trabalhar nas empresas deles.

  3. Rafael Kondlatsch

    E é interessante que as obras cinematográficas comumente atrelam mafia e gastronomia. A série Sopranos tem sua história o tempo todo à mesa e alguns episódios tratam a comida como tema quase central.

  4. Finalmente!! Quando qui mi dicono: “sai Carlo, sono andato a mangiare al ristorante La mafia” rispondo con la storia di come la mafia ha ammazzato e sciolto nell’acido il piccolo Giuseppe di Matteo o ha fatto saltare in aria Falcone e Borsellino.

  5. Intersecção muito legal entre gastronomia e antropologia/sociologia!

    Gosto muito das suas avaliações de restaurantes, mas esse texto me chamou ainda mais atenção =)

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