Um porto num mar de polêmica

Porto em Pontal pode ser lucrativo, mas tem impactos sociais e ambientais pesados

Na quarta reportagem da série, o Plural mostra que o terminal da empresa Porto Pontal é considerado um negócio promissor e é visto pela população de Pontal como a redenção econômica do município. Mas os impactos ambientais e sociais serão pesados e ainda há uma série de pendências a superar.

Um relatório divulgado em março pela consultoria Datamar, especializada em comércio exterior via portos, estima que a movimentação de contêineres no Brasil vai crescer 6,5% ao ano até 2023 – bem acima, portanto, do PIB. É de olho nesse mercado, já em expansão nos últimos anos, que o Grupo JCR planeja investir R$ 1,5 bilhão na implantação de um porto em Pontal do Paraná. Planejado para movimentar 661 mil contêineres por ano a partir do 11º ano de operação, o Porto Pontal Paraná pretende ser o mais moderno terminal de contêineres das Américas. Por ele passarão cargas secas, frigorificadas e também perigosas, como álcool e isqueiros.

Planejado há mais de 20 anos pelo empresário João Carlos Ribeiro, o empreendimento ganhou contornos concretos a partir da eleição de Beto Richa para o governo do Paraná, em 2010. Richa decidiu encampar o projeto de construção de uma estrada de 24 quilômetros entre a PR-407 e a Ponta do Poço, de forma a atender uma exigência do Ibama para emitir a licença de operação do porto.

Batizado de Faixa de Infraestrutura por envolver outros componentes além da estrada – canal de macrodrenagem, ferrovia, gasoduto e linha de transmissão de energia –, o projeto gerou polêmica assim que foi anunciado. Por um lado, por envolver recursos públicos na construção de uma obra que é condição para a operação de um empreendimento privado. Por outro, em razão do forte impacto ambiental que a estrada causará na região, onde está um dos remanescentes de Mata Atlântica mais bem preservados do território brasileiro.

Pontal do Paraná, Paraná, Brasil, 09-03-2019 – Construção de porto privado em Pontal do Sul ameaça o ambiente e o modo de vida de comunidades tradicionais e aldeias indigenas, da região, cuja principal atividade é a pesca artesanal. (Foto: Theo Marques/Plural)

Mas a resistência de entidades ambientalistas, Ministério Público e de universidades – que se manifestaram oficialmente a favor de um estudo mais aprofundado do projeto – não sensibilizou a comunidade de Pontal do Paraná. Grande parte da população vê no porto uma oportunidade de redenção econômica para o município, que sofreu reveses nos últimos anos. A italiana Techint Engenharia e Construção chegou a retomar as atividades no município, depois de um período fechada, mas no fim de 2018 demitiu mais de 4 mil trabalhadores, após concluir a montagem de uma plataforma de exploração de petróleo.

“A saída da Techint retirou R$ 10 milhões por mês do orçamento da cidade. Nós estamos num desespero econômico”, diz o presidente da Associação Comercial e Industrial de Pontal do Paraná, Gilberto Espinosa. “Se o porto e a estrada não acontecerem, Pontal vai virar uma favela.”

Dono de uma barbearia em Pontal do Sul há 11 anos, Celso Duarte de Lima diz que antes da saída da Techint atendia pelo menos 20 clientes num sábado. “Agora é quatro, cinco. Nós queremos o porto e a estrada. Como vai ter desenvolvimento se não afetar um pouco o meio ambiente?”, questiona.

Calado privilegiado

O porto do Grupo JCR prevê a geração de 1.500 empregos durante a obra e 1.500 na operação, quando atingir a capacidade plena, além de 7,5 mil empregos indiretos. A localização do terminal, numa região próxima dos grandes centros produtores, e as características físicas do local fazem com que o mercado considere o empreendimento promissor.

Ele vai ocupar uma área terrestre de 627 mil metros quadrados, numa localidade conhecida como Ponta do Poço. O nome é uma alusão à profundidade do mar em alguns pontos na região, o chamado “calado natural”, que chega a 16 metros e permitiria receber navios de grande porte, com calado de 14 metros. O calado corresponde à altura da parte do navio que fica imersa na água.

“Seria um porto de águas profundas, sem concorrente nesse aspecto. Tem uma bacia de evolução muito profunda”, afirma o engenheiro portuário Ogarito Linhares, que foi diretor do Departamento de Outorgas Portuárias da Secretaria Nacional de Portos no governo Temer e diretor da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa) no governo Roberto Requião.

Dragagem do Canal da Galheta: porto privado pode se beneficiar de trabalho feito com impostos. Foto: Appa.

Nessa época Requião planejava implantar um porto público no local e em 2008 chegou a assinar declarações de utilidade pública referentes a oito áreas, somando 1 milhão de metros quadrados – a maior parte delas pertencentes às empresas de João Carlos Ribeiro. O empresário conseguiu derrubar as desapropriações na Justiça e o projeto do Porto Mercosul não prosperou. O ex-governador diz que a ideia era fazer um porto de transbordo, sem acesso por terra, para reduzir o impacto ambiental. “É uma área estratégica, por causa da profundidade. Esse projeto privado é uma vigarice”, afirma.

Dragagem

Mas para aproveitar essa vantagem do calado natural o Porto Pontal terá que investir fortemente em dragagem, já que a profundidade do mar na região não é uniforme – inclusive no canal de acesso, que é o mesmo do porto de Paranaguá (o Canal da Galheta). Hoje, Paranaguá recebe navios com calado máximo de 12,5 metros. A dragagem de aprofundamento concluída no fim de 2018 ampliará esse limite para 13,3 metros – mas isso ainda depende do procedimento de derrocagem, que está em fase de licitação.

O Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do porto prevê a execução de serviços de dragagem  ao longo do cais, que terá 1.000 metros de extensão, e dos berços de atracação.  A Porto Pontal Paraná, empresa do Grupo JCR responsável pelo porto, não atendeu ao pedido de entrevista do Plural, que pretendia esclarecer esse e outros pontos.

De acordo com Ogarito Linhares, o canal de acesso é hoje um fator limitante para o futuro porto. “A operação vai depender de quanto eles vão aprofundar. E aí é uma questão econômica, de mercado. É preciso considerar qual a demanda de cargas, para que tipo de navios, com que calado etc”, afirma.

Para Linhares, o Porto Pontal é um negócio viável, que conta com a vantagem da localização e do calado. Mas além da questão da dragagem enfrentará a concorrência do Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), que ganhou fôlego ao ter o controle adquirido em 2017 pela estatal chinesa China Merchants Port Holding (CMPorts). “É uma empresa com enorme capacidade de capital e um payback [prazo de retorno do investimento] bem longo. É um momento muito bom para o TCP, que já está funcionando, está na ponta do mercado”, afirma.

Techint: desemprego após saída de empresa que construiu plataforma.

O diretor de Engenharia da Administração dos Portos do Paraná, Rogério Barzellay, também considera que há espaço para o novo porto. “Quisera eu ter mais 5 quilômetros de cais aqui. Hoje Paranaguá não tem sobra de espaço para novos navios.  E já alcançamos o máximo de eficiência, com a melhor movimentação por quilômetro de cais entre os portos brasileiros”, afirma.  O porto de Paranaguá planeja implantar mais dois berços – um em forma de L e outro, de F. Mas essas ampliações ainda estão em fase de projeto.

Barzellay diz que, caso o Porto Pontal seja mesmo implantado, passando a compartilhar com o de Paranaguá o Canal da Galheta, a responsabilidade pela dragagem do acesso continuará sendo do porto público: “Vamos fazer e o porto privado vai pagar as taxas de utilização do canal”.

A estrada e as tarifas do porto

Outra questão que entra na conta dos especialistas é o fato de que o novo acesso ao Porto Pontal será bancado pelo Estado, e não pela Porto Pontal, a dona do negócio. Sem entrar no mérito da decisão do governo estadual, o engenheiro Ogarito Linhares afirma que isso poderá representar uma vantagem competitiva para o novo porto.

“Historicamente os Terminais de Uso Privado [TUPs] são responsáveis por construir seus próprios acessos. Isso significa que pelo menos a maioria dos concorrentes do novo porto terá que arcar com um custeio que esse porto não terá”, explica, lembrando que há algumas exceções – o acesso ao porto de Itapoá, em Santa Catarina, por exemplo, foi bancado pelo Estado.

Essa vantagem pode ter impacto no box rate, que é a tarifa cobrada pelo serviço de movimentação de cargas entre o portão de um terminal portuário e o porão da embarcação. “Essa tarifa pode incluir entre seus componentes o custo de infraestrutura para chegar ao porto”, afirma Linhares.

Sandro Alex, ao centro: secretário quer que governo construa estrada até o porto. Foto: José Fernando Ogura/ANPr

Segundo ele, porém, não seria correto afirmar que, nesse modelo, apenas o empreendedor privado levaria vantagem. “O Estado vai ser beneficiado pelo incremento na geração de impostos, e por extensão isso beneficia a população”, afirma.

Dentro do próprio governo há quem defenda alternativas para a construção da estrada. Entre elas, a concessão para a própria empresa que vai fazer o porto, e que poderia recuperar o investimento na rodovia no valor da tarifa, mas diluído em longo prazo. Mas de acordo com o secretário de Infraestrutura e Logística, Sandro Alex, essa alternativa não está em discussão: “Isso seria difícil neste momento. Mas a rodovia poderia ser construída e depois outorgada, isso sim”.

Uma nova Paranaguá?

O diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges, acha que a discussão deveria começar pela necessidade de implantação do porto em Pontal, que por sua vez levou ao projeto da nova estrada. “Não somos contra obras cuja necessidade é óbvia. Mas não é o caso, nem do porto e nem da Faixa de Infraestrutura”, afirma.  “O porto de Paranaguá está em processo de expansão e poderia dar conta da demanda.”

Para Borges, Pontal do Paraná tem uma forte vocação turística ainda inexplorada e o porto trará com ele inúmeros problemas que são incompatíveis com o turismo. Além do prejuízo ambiental, viriam o inchaço populacional, ocupações irregulares, prostituição e violência.

São efeitos previstos no Estudo de Impacto Ambiental encomendado pelo próprio empreendedor do porto. Dos 164 impactos listados para as fases de implantação e operação do terminal, 138 são negativos e 26, positivos.

Entre os impactos negativos listados no documento estão: incremento de ocupações irregulares; encarecimento dos imóveis, com prejuízo a “proprietários frágeis”; piora na qualidade de vida por insuficiência de infraestrutura básica e serviços públicos; incremento da prostituição e dos problemas de segurança; aumento do trabalho infanto-juvenil; e redução da renda dos pescadores.  

Do ponto de vista ambiental, os efeitos incluem a supressão de 23,3 hectares de mata nativa, com danos à fauna; introdução de espécies exóticas e invasoras; contaminação dos recursos pesqueiros e redução dos estoques de peixes; redução da disponibilidade de água subterrânea de boa qualidade; impactos sobre as unidades de conservação da região.

Os impactos positivos são basicamente de ordem econômica: atração de investimentos para a região e fortalecimento dos negócios já existentes; incremento na arrecadação de impostos; benefícios a proprietários e Prefeitura pelo aumento no preço dos imóveis.

O estudo prevê uma série de programas e medidas compensatórias e mitigadoras, mas boa parte dos danos é irreversível.

Cargas

De acordo com dados do Rima, o Terminal de Contêineres Porto Pontal “foi concebido como um Terminal de Transbordo e Centro de Carregamento de Cargas Conteinerizadas”. A previsão é de que as principais cargas sejam de madeira, papel, café, autopeças, motores, roupas e carnes congeladas, entre outros itens. Mas também está prevista a movimentação de cargas perigosas acondicionadas em contêineres, como isqueiros, álcool e dispositivos para air-bags.

Área protegida próxima ao porto poderá ser afetada. Foto: Theo Marques/Plural

Um dos argumentos mais utilizados a favor da implantação do porto é o fato de ser uma operação “limpa”, já que as cargas circularão acondicionadas em contêineres. Uma pesquisa de opinião feita por ocasião da elaboração do EIA/Rima, em 2007, mostrou que a população de Pontal estabelecia duas condições para aceitar o porto: a construção de uma estrada alternativa à PR-412; e a garantia de que o porto seria apenas para contêineres, e não para grãos, líquidos ou cargas perigosas. “Todos rejeitam absolutamente a possibilidade de Pontal virar ‘uma outra Paranaguá”, destaca o Rima.

No entanto, além de prever a movimentação de cargas perigosas, o mesmo documento admite a possibilidade de uma futura operação com grãos: “Considerando o perfil agrícola do Estado do Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul é possível acreditar que exista espaço para movimentação de cargas a granel em Pontal do Paraná.  Porém isso só poderá acontecer quando houver a saturação do Porto de Paranaguá”.

Outra condição seria a construção de um ramal ferroviário até o terminal de granéis. O projeto original da Faixa de Infraestrutura elaborado no governo Beto Richa prevê uma ferrovia. Como o EIA/Rima do Porto Pontal foi elaborado há 12 anos e a empresa responsável pelo empreendimento não atendeu ao pedido de entrevista do Plural, não foi possível confirmar se a possibilidade de um terminal de grãos em Pontal permanece no horizonte do negócio.

Pendências

Além da nova estrada, que é condição para a operação do terminal, o Porto Pontal precisa superar outros entraves para levar o projeto adiante. O porto ainda não tem, por exemplo, o documento de cessão de uso onerosa do espaço físico sobre águas públicas federais em frente à área terrestre do empreendimento. O processo tramita da Superintendência do Patrimônio da União desde 2009, mas ainda não foi concluído.

Outra pendência diz respeito à questão indígena. O governo do estado não poderá obter a licença ambiental de instalação para a Faixa de Infraestrutura – que é condição para a operação do porto – enquanto a Fundação Nacional do Índio (Funai) não emitir um parecer técnico definitivo sobre o plano de trabalho do Componente Indígena do empreendimento, que é um dos componentes do estudo ambiental.

A Faixa de Infraestrutura vai afetar duas terras indígenas: Ilha da Cotinga e Sambaqui/Shangri-lá, ambas de ocupação Mbyá-Guarani. No total, vivem nessas terras em torno de 96 pessoas. Além das consequências dos impactos ambientais, como redução na disponibilidade de peixes, considera-se que a obra aumentará a pressão sobre as terras indígenas e causará interferência na mobilidade e na saúde e bem-estar de seus moradores.

No ano passado a Funai avaliou o plano de trabalho do Componente Indígena, pediu complementações e recomendou ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP) “que se abstenha de emitir a Licença de Instalação enquanto o CI-PBA não tenha sido definitivamente consolidado e aprovado pelas comunidades indígenas afetadas e pela Funai, em consonância com a Convenção nº 169 da OIT, ratificada pelo Estado Brasileiro”.

Essa convenção da Organização Internacional do Trabalho prevê que os povos indígenas e tribais têm direito de ser consultados “de forma livre e informada” antes da tomada de decisões que possam afetar seus bens e direitos. O desrespeito à convenção é um entre muitos argumentos que constam nas ações ajuizadas pelo Ministério Público para pedir a suspensão do licenciamento da Faixa de Infraestrutura.

Leia na última reportagem da série:  Quem é João Carlos Ribeiro, o empresário que sonha construir o porto em Pontal do Paraná

Leia todas as reportagens da série aqui.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Um porto num mar de polêmica”

  1. É um atraso o que a esquerda representada pelas ONGS, IBAMA e Ministério público vem fazendo com nosso litoral. Congestionamento, longas filas em época de temporada na BR de Paranaguá a Praia de Leste porque não permitem fazer pista dupla (vai matar os ratos e baratas que vivem no mato). Orla tomada pelo matagal que somente serve pra criar mosquito da dengue e servir de refúgio pra maloqueiros e assaltantes, que nada tem de restinga. Criem vergonha na cara. Limpem a orla, cortem esse mato de forma sustentável. O comércio local e os turistas agradecem.

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