O homem do porto

A vida de João Carlos Ribeiro, que fez da construção do porto sua obsessão.

A movimentada vida empresarial e social de João Carlos Ribeiro, que fez da construção de um porto em Pontal do Paraná sua obsessão. Uma história que inclui instinto para os negócios, sucesso, muito dinheiro, romances e também desentendimentos.

O empresário João Carlos Ribeiro estava em Maringá para participar de um torneio de tênis com a equipe do Graciosa Country Club quando recebeu por telefone a notícia de que tinha sido liberada uma das autorizações necessárias para a implantação do seu terminal de contêineres em Pontal do Paraná. Ao desligar o telefone, Ribeiro vibrava. Naquela noite, ele reuniu toda a delegação do clube e pagou um jantar para comemorar a boa notícia.

A história, ocorrida alguns anos atrás, é contada por uma pessoa que conviveu bem de perto com João Carlos Ribeiro, para ilustrar a importância que o projeto do porto tem na vida do empresário. “É uma obsessão. Com o dinheiro e a idade que ele tem, o João não precisava disso. Mas ele pôs na cabeça que vai construir esse porto”, diz essa fonte.

Conversei com várias pessoas que fazem ou fizeram parte do círculo familiar e social de João Carlos Ribeiro. Quase todas só concordaram em falar com a condição de anonimato. E quase todas, também, descreveram o empresário com os mesmos adjetivos: obstinado, afável, vaidoso, competitivo.

João Carlos Ribeiro não aceitou dar entrevista para esta série de reportagens sobre o porto e a Faixa de Infraestrutura. Mas vídeos disponíveis na internet mostram que ele concorda com pelo menos um desses adjetivos: “Eu me entendo como um homem obstinado, obstinação que chega à teimosia, no sentido de não abandonar nunca o propósito que se persegue”, disse o empresário num vídeo que gravou em 2016 para o projeto Memórias Paraná, que reúne relatos de personalidades e profissionais paranaenses de várias áreas.

No vídeo, Ribeiro diz que a construção do terminal de contêineres é seu “grande ideal” e não economiza adjetivos para descrever o projeto: “É um projeto extraordinário para construir, sem sombra de dúvida, o mais moderno, o mais evoluído e o mais fantástico terminal de contêineres do Brasil”.

O empresário também faz um desabafo a respeito dos entraves à implantação do porto: “É uma luta de 15 anos. Ao longo desse tempo fui encontrando barreiras absolutamente inexplicáveis para um país como o nosso, carente de infraestrutura. Encontrei resistências de um dos governos do Paraná, de forma acintosa e que vou morrer sem entender a razão”, afirma, referindo-se a Roberto Requião, que tentou desapropriar a área de Ribeiro em Pontal do Sul para implantar um porto público.

O empresário também cita processos judiciais movidos por concorrentes. “Infelizmente estou sendo barrado por inimigos, utilizando atitudes inescrupulosas. Mas eu não desisto. A obstinação toma conta de mim e tenho certeza que vou chegar lá. Espero que dê tempo. Se der, eu vou chegar”.

A menção ao tempo tem relação com a idade de João Carlos Ribeiro, que na época do vídeo tinha 75 anos e agora está prestes a completar 78, sem que as obras do porto tenham começado.

Terras herdadas

O terminal é o ápice sonhado para uma trajetória empresarial bem-sucedida, que começou cedo e tirou João Carlos Ribeiro do caminho do Direito.

Ribeiro nasceu em Uraí, na região Norte do Paraná. Seu pai, João Baptista Ribeiro Júnior, foi um homem influente. Médico, foi o primeiro prefeito de Uraí, município criado em 1947.

Em 1950, quando João Carlos tinha nove anos, a família mudou-se para Curitiba. Nos 20 anos seguintes, o pai foi eleito três vezes deputado estadual e depois elegeu-se deputado federal. Entre os mandatos, foi secretário da Agricultura e depois da Fazenda do governo Moisés Lupion. Também presidiu o Instituto Brasileiro do Café.

Foi durante sua vida pública que João Baptista Ribeiro Júnior comprou a Empresa Balneária Pontal do Sul, dona de grandes extensões de terra em Pontal do Paraná, então pertencente a Paranaguá. Conforme mostrou a terceira reportagem desta série, publicada na última quinta-feira, essas terras haviam sido doadas pelo Estado à Prefeitura de Paranaguá, que em seguida as repassou à Empresa Balneária.

A parte terrestre do porto que João Carlos Ribeiro quer implantar em Pontal representa uma fatia dessas terras doadas há mais de 60 anos, e que ao longo do tempo foram objeto de conflitos e acusações de irregularidades.

O empurrão do pai

No depoimento para o projeto Memórias Paranaenses, João Carlos Ribeiro diz que o pai foi “uma figura extraordinária” e sua maior influência, mas não deixa de expressar certa frustração por não ter recebido o incentivo do pai para seguir carreira política: “Se tivesse tido o apoio do meu pai, talvez até pudesse ter caminhado por essa trilha. Mas meu pai nunca me apoiou nesse meu desejo. Porém, me apoiou em todas as outras pretensões da minha vida”.

Aos 20 anos, ainda cursando Direito na UFPR, João Carlos Ribeiro tornou-se empresário. Com dois sócios, ele fundou a Socofer Construções Ferroviárias Ltda. E, com a ajuda do pai influente, conseguiu o primeiro contrato da empresa, assinado com a Rede Ferroviária Federal, para manutenção da estrutura ferroviária na região sul do Paraná. O contrato, que durou sete anos, foi o embrião dos negócios que dariam origem a um grupo empresarial poderoso.

Em 1998, a Socofer – que então já era uma construtora com muitas obras erguidas e pertencia apenas a Ribeiro – foi incorporada por outra empresa do Grupo JCR, que leva as iniciais do empresário.

Ao longo do tempo, João Carlos Ribeiro teve muitos outros negócios, em áreas como construção pesada, agropecuária, energia, incorporação imobiliária, logística, hotelaria e eventos (em sociedade com o ex-governador João Elísio Ferraz de Campos, foi um dos donos do Expotrade, centro de exposições localizado em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba).

Mina de dinheiro

Mas talvez nenhum negócio tenha lhe rendido mais dinheiro do que a empresa que fundou em 1996, em parceria com a Megadata, pertencente ao grupo Ibope, da família Montenegro. O negócio surgiu do relacionamento de João Carlos Ribeiro com o ex-governador do Paraná João Elisio Ferraz de Campos, seu amigo de infância.

Na época, João Elísio presidia a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados (Fenaseg) e sugeriu ao amigo criar uma empresa para controlar as alienações fiduciárias de veículos no País (ou seja, o registro de veículos comprados por financiamento ou leasing). Até então não havia um sistema único para essa finalidade, o que facilitava as fraudes, dando prejuízo a bancos e financeiras.

A empresa criada por Ribeiro e Montenegro – que foi o embrião da GRV Solutions – passou a desenvolver um sistema de registro de gravames e fechou com a Fenaseg um acordo de 25 anos para fazer a ponte entre os agentes financeiros e os Detrans do Brasil todo, que aderiram em massa ao serviço. A Fenaseg fechava convênios com os Detrans e repassava o serviço à GRV – cujo papel, de forma bem simplificada, era informar aos Detrans quais veículos eram financiados.

“Foi o melhor negócio da vida do João Ribeiro. Ele sempre foi um animal para ganhar dinheiro, mas a partir daí ele mudou de patamar, passou para a casa do bilhão”, afirma um empresário com quem conversei. Todo carro vendido no Brasil mediante financiamento tem que ser registrado no Detran como alienado. É preciso pagar uma taxa para incluir o veículo no Sistema Nacional de Gravames e outra para exclui-lo, depois de quitado. O valor varia conforme o estado. No Paraná, por exemplo, atualmente as taxas de inclusão e exclusão são de R$ 53,43.

Segundo reportagens publicadas em veículos nacionais, a GRV ficava com 90% do valor das taxas. Era, portanto, uma mina de dinheiro, com risco baixo e investimento pequeno, proporcionalmente ao resultado. “Foi nesse período que o João Ribeiro e o João Elísio compraram o Expotrade e a Sascar (empresa de rastreamento de veículos instalada em São José dos Pinhais, além de muitos imóveis”, conta esse empresário.

Lava-jato

Mas nem tudo foram flores. O negócio foi alvo de denúncias de favorecimento da Fenaseg à GRV, sob a alegação de que, por ter convênio com órgãos públicos (os Detrans), a Federação deveria abrir licitação para escolher a empresa que prestaria o serviço.

A GRV Solutions chegou a ser citada pelo doleiro Alberto Youssef em sua delação premiada na Operação Lava-Jato. Youssef relatou ao Ministério Público Federal que em 2008 a empresa pagou propina para um dirigente do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). “Houve facilitação por parte do órgão federal para que essa empresa (GRV) atuasse sozinha nesse segmento”, disse. A negociação teria rendido cerca de R$ 20 milhões em comissões para o Partido Progressista (PP).

Mesmo ganhando tanto dinheiro, João Carlos Ribeiro acumulou uma dívida de cerca de R$ 10 milhões em IPTU de 1,5 mil imóveis de sua propriedade em Pontal do Paraná – originários da doação feita à Empresa Balneária Pontal do Sul nos anos 1950. No ano passado, a Prefeitura do município apresentou um projeto para perdoar a dívida desses e de mais 3.500 imóveis.

Racha entre amigos

Em 2010 (mesmo ano em que João Elísio coordenou a campanha vitoriosa de Beto Richa ao governo do Estado), a GRV Solutions foi vendida por R$ 2 bilhões para a Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos (Cetip). Segundo várias fontes, esse negócio foi o pomo da discórdia entre João Carlos Ribeiro e João Elísio Ferraz de Campos. Amigos desde a infância e sócios por mais de 30 anos, em vários empreendimentos, os dois teriam se desentendido na partilha dos recursos.

A ruptura veio a público em setembro de 2011, quando foi divulgada em colunas de jornais de Curitiba. Ao jornalista Reinaldo Bessa, então colunista da Gazeta do Povo, Ribeiro afirmou na época: “Chegamos na idade em que cada um quer cuidar dos seus negócios”. Pessoas próximas a Ribeiro e a João Elísio afirmam que os dois nunca mais se falaram e guardam mágoas profundas um do outro. O ex-governador João Elísio foi procurado para este perfil, mas, assim como João Ribeiro, não quis falar.

Poder e luxo

João Carlos Ribeiro é um homem muito bem relacionado, tanto na alta sociedade curitibana quanto na política. Pessoas que acompanharam seu depoimento à CPI da Ocupação Fundiária de Pontal do Paraná, instalada na Assembleia Legislativa em 2015, contam que estavam lá vários deputados que não faziam parte da comissão e não tinham aparecido em nenhuma outra sessão – casos de Ney Leprevost e Alexandre Curi. “Foi uma demonstração de apoio e poder”, afirma um ex-parlamentar.

Na vida social, o auge de João Carlos Ribeiro foi a presidência do Graciosa Country Club, função que exerceu por cinco mandatos, somando 10 anos não consecutivos. Fundado em 1927, o Graciosa é um clube de elite e bastante fechado. Para entrar no seu quadro de sócios, não basta pagar os R$ 300 mil da joia e da ação do clube. É preciso ter a aprovação de 75% dos 30 membros do Conselho Deliberativo, que se manifestam durante a votação apresentando bolas pretas ou brancas, conforme a decisão.

Em seu site, o clube é descrito como um lugar onde as festas e eventos esportivos “traduzem o status, a elegância e o charme na vida do Graciosa Country Club, das pessoas e da própria cidade”.

Segundo sócios do clube com os quais conversei, João Ribeiro promoveu transformações no Graciosa. Reduziu o preço da joia para atrair mais sócios, melhorou as finanças e investiu na infraestrutura do clube, construindo, por exemplo, um centro poliesportivo e sedes para golfe e tênis. Também tentou mudar o tradicional emblema do clube, com a intenção de transformá-lo em algo parecido com o que uma sócia descreve como “as marcas das universidades americanas”. Mas nisso foi derrotado – os sócios acharam que era demais.

De acordo com esses relatos de associados, inicialmente alguns sócios mais antigos e tradicionais não gostaram das novidades, mas aos poucos elas foram absorvidas, e Ribeiro se tornou o presidente com mais mandatos na centenária história do clube.

“Foi uma atividade que me deu um prazer, um sabor muito especial”, contou o empresário no depoimento ao projeto Memórias Paranaenses. “Acabei me apaixonando de tal forma, porque você se dá gratuitamente, sem qualquer interesse pessoal. Para quem sempre teve a vida voltada para dentro de si próprio, para o ganho pessoal, de repente eu me vi trabalhando para terceiros, para toda uma sociedade.”

As festas organizadas por Ribeiro nesse período ficaram na história. “Sempre muito suntuosas. Camarões, champagne francês, decoração maravilhosa”, conta uma das fontes que ouvi.

Outro sócio do Graciosa destaca uma característica de João Carlos Ribeiro que, segundo ele, foi importante não apenas para suas eleições no clube, mas também para o sucesso nos negócios: “Ele é muito convincente. Tem uma oratória impressionante e quando fala, se torna um gigante”, afirma, fazendo um contraponto ao fato de Ribeiro ser um homem de baixa estatura, o que em algumas rodas lhe valeu o apelido de João Pequeno.

Amores e prisão

Festa de casamento de João Carlos Ribeiro com Adriana Ribeiro.

Pelo que ouvi a respeito de João Carlos Ribeiro, essa característica também o ajudou em suas muitas conquistas amorosas. Ele está casado pela quinta vez – com Adriana Ribeiro, que era a dona do spa do Graciosa quando deixou o marido, um médico bem mais novo que Ribeiro, para se unir ao empresário. “Ele é sedutor e insistente. Presenteia com joias, viagens-surpresa”, me disse uma fonte.

Ele é conhecido por ser generoso com as namoradas e ex-mulheres. Mas um dos casamentos de Ribeiro não acabou bem. Em julho de 2012, ele foi preso em flagrante por algumas horas, sob a acusação de “crime de ameaça, injúria, vias de fato e cárcere privado” contra Cristiane Debastiani, de quem havia se separado pouco antes.  Ela obteve da Justiça a determinação de medidas protetivas contra o ex-marido.

Quase sete anos depois desse episódio, Cristiane prefere não falar no assunto. Numa conversa por telefone, em março, ela encheu de elogios o ex-marido, com quem ficou casada cinco anos. “Não preciso prejudicar o João. Isso é da esfera pessoal”, afirmou ela, que tem 42 anos.

Depois de separada, Cristiane conquistou espaço como líder, em Curitiba, de movimentos como o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre (MBL). “Recebi das mãos dos procuradores da Lava-Jato um reconhecimento pelo apoio às 10 medidas contra a corrupção”, conta.

Cristiane diz que viveu com João Carlos Ribeiro um casamento de muito aprendizado e emoções. “Eu gosto de coisas exóticas. Uma vez levei o João para uma viagem-surpresa para o Nepal. Fretei um voo e sobrevoamos as sete montanhas mais altas do mundo”, conta.

Ela classifica Ribeiro como “um dos homens mais inteligentes que já conheci” e também uma pessoa generosa, que “doa mensalmente uma quantia bem significativa para instituições de caridade”. Cristiane diz que quando era a “primeira-dama” do Graciosa Country Club sugeriu ao marido que convidasse os filhos de funcionários para uma festa de Dia da Criança, evento tradicional no clube. Junto com os filhos de sócios? – perguntei. “Não. Um dia dos sócios, outro dos funcionários. Mas uma festa igual”, ela respondeu.

Cristiane diz que quase não vê o ex-marido, embora morem em prédios vizinhos. Segundo ela, Ribeiro escolheu viver ali para ficar perto da filha que tiveram juntos, e que hoje tem nove anos. “Ele é um pai maravilhoso, dedicado”, afirma.

Ribeiro tem três filhos do primeiro casamento – um casal já na casa dos 50 anos e uma moça na casa dos 30 – e quatro netos. A filha caçula, então, é o centro das atenções. “Ela é a alegria do momento”, disse o empresário no depoimento gravado.

“Ditadura ambiental”

O tom de Ribeiro é bem outro quando fala de política ou de questões ambientais, por exemplo. Em 2013, numa entrevista a Arthur Conceição para a revista Bem Público, fez críticas à classe política: “O poder é esmagador. Ele desvirtua gradualmente as pessoas. E com isso deixam de cumprir sua tarefa principal para cuidar do seu interesse particular, que é se perpetuar no poder. E aí o país fica parado”

Também expôs sua opinião sobre o sistema educacional brasileiro: “O sistema de ensino foi totalmente desvirtuado. A criança primeiro precisa aprender a escrever e a fazer contas, somar dois mais dois, e em vez disso, o que fazem nossos ensinadores? Eles ficam fazendo proselitismo político”.

Mas as críticas mais ácidas foram dirigidas aos órgãos ambientais e entidades da área: “O Brasil vive a ditadura dos entes ambientais. O empreendimento pode ser imprescindível para o desenvolvimento do país, mas os ambientalistas não querem saber. Eles vão e dificultam e criam obstáculos e você não faz. Eu quero fazer as compensações ambientais. Só que eu quero fazer hoje, e o ambientalista, se puder, ele deixa pra daqui a 20 anos”.

Tentei marcar uma entrevista com João Carlos Ribeiro. Sua assessoria informou que ele preferia se manifestar por e-mail. Dias depois de enviadas as perguntas, ele mandou informar que não iria responder.

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