Editorial: Há mais provas contra Moro do que contra Lula

Reportagens do Intercept mostram que imparcialidade de Moro e de Lava Jato eram uma farsa

O presidente Lula sempre gostou de usar o futebol para explicar a política. Então, imagine o seguinte: e se durante o jogo pegassem o árbitro falando com o capitão de um dos times: “Ei, não é muito tempo sem um ataque pelas pontas?” Ou então: “Não está fazendo muito sentido essa insistência em usar essa estratégia.” Seria evidente que o juiz estava ajudando um dos lado, não? O que fazer neste caso? Pedir a anulação do jogo?

A série de reportagens publicada neste fim de semana pelo site The Intercept Brasil mostra Sergio Moro exatamente nesta função. Pela lei, o juiz da Lava Jato deveria manter igual distância dos dois lados envolvidos: a defesa e a acusação. Mas, como sempre se desconfiou, trabalhava como parte do time da procuradoria. Ou, como deixam claro as mensagens, era o líder da acusação. E quando o juiz tem um lado, o resultado é conhecido desde antes do início da partida.

Sergio Moro sempre foi um juiz que teve lado. Em entrevista, Celso Três, promotor do Caso Banestado, disse que com um juiz como Moro, a procuradoria era quase desnecessária. Moro já estava sempre inclinado a condenar. Foi uma brincadeira – mas uma brincadeira premonitória.

No caso da Lava Jato, sempre se disse imparcial. Mas ao longo do processo foi ficando evidente que trabalhava especificamente contra um alvo: o ex-presidente Lula. E aqui não se trata de dizer que Lula ou o PT não tenham errado ou cometido crimes – trata-se sim de dizer que, tudo indica, o processo que levou Lula à cadeia não foi justo. Aliás, processo que também levou à cassação de Dilma e ao encerramento do ciclo do PT no poder, com a derrota de Fernando Haddad em outubro.

Recordando:

1- O caso de Lula tem uma ligação muitíssimo tênue com a Lava Jato, nem deveria ter ficado em Curitiba (as matérias do Intercept revelam que o próprio Deltan Dallagnol não acreditava muito na ligação entre os fatos). Moro forçou a mão e ficou com o caso.

2- Lula jamais tinha se negado a depor, mas estranhamente foi levado a uma vexatória e abusiva condução coercitiva pela Lava Jato.

3- A Lava Jato determinou a escuta ilegal de todos os advogados e Lula. Foi um erro honesto, diz Moro (mas como os erros se acumulam, não?)

4- Moro gravou (sem querer, que dó!) a presidente da República num áudio ilegal. A escuta já tinha sido suspensa pelo próprio Moro. Como não podia usar isso no processo, o juiz, descaradamente, incitou a população contra Dilma soltando a gravação.

5- A condenação de Lula no caso do tríplex aconteceu com prazo recorde. E com provas para lá de duvidosas (sabe-se hoje que executivos combinaram as delações, praticamente a única coisa que há contra o ex-presidente).

6- Moro fez campanha pela prisão após condenação em segunda instância, algo que claramente contraria o artigo 5º da Constituição. O objetivo flagrante era prender Lula, líder das pesquisas para presidente, antes da eleição.

Depois de feito todo o serviço, Moro ganhou um Ministério. E sua indicação para o Supremo Tribunal Federal, onde ficará até os 75 anos, já é promessa pública (que estranho acordo esse feito por um presidente, ou candidato, e o juiz que prendeu seu principal adversário antes da eleição).

As revelações do Intercept são estrondosas. As práticas da força-tarefa e de Moro ali mostradas são de indignar qualquer um que acredite ma democracia e no devido processo legal.

Numa democracia séria, todos os envolvidos seriam responsabilizados e o processo contra Lula provavelmente seria anulado. Os jornalistas do Intercept receberiam o Pulitzer. E aprenderíamos uma lição.

Aqui, vá saber. É possível que os jornalistas acabem presos ou ameaçados. Numa terra onde Moro, Deltan e Bolsonaro ditam a lei, é perigoso lembrar que um juiz precisa agir dentro da lei.

Leia as reportagens do Intercept clicando aqui.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima