29/10: Dia Mundial do Combate ao AVC

É claro que cada AVC é único, e como cada caso é um caso, é difícil especificar todos os sutis sinais de AVC em apenas um texto, então apenas procurei descrever os mais básicos e fáceis de memorizar

Sempre gostei de datas importantes. Desde o meu renascimento, sempre marco numa nova agenda o dia do meu aniversário, o dia do meu aniversário de AVC e o dia 29 de outubro: o Dia Mundial de Combate ao AVC.

Sobreviver a um Acidente Vascular Cerebral é difícil, mas sobreviver à batalha diária da vida após um derrame não é brincadeira. O AVC é o fator que mais incapacita pessoas no mundo todo. Isso significa que ele leva a danos motores, cognitivos, sensoriais, comportamentais, psicológicos e sociais, todos de uma vez.

Não é nada fácil, porém, com a internet, sobreviventes e cuidadores do mundo inteiro foram se unindo para passarem informações, se apoiarem e se conhecerem no que gosto de chamar de “corrente do bem”. Nós sabemos da dor que enfrentamos em nossas casas, em nossos corpos e nesses cérebros tão machucados. E talvez por conhecermos esta dor, saibamos respeitá-la no peito do outro e ao ponto de promover, para as pessoas que nem conhecemos, algo que em algum momento nos faltou: informação. E, assim, foram se construindo as organizações e canais sobre AVC que, espalhados por todo o mundo, abordam o assunto arduamente durante todo o ano.

O dia 29 de outubro é muito importante para nós, porque nele é celebrado o Dia Mundial de Combate ao AVC. É o dia em que organizações e sobreviventes ganham espaço para contarem a sua história, em que a mídia fala dos sinais do AVC e dos fatores de risco, e que juntos, lutamos para diminuir o número de vítimas de derrames cerebrais e melhorar a qualidade de vida dos sobreviventes. Fazemos tudo isso durante o ano todo, mas é no dia 29 de outubro que ganhamos mais visibilidade.

Você pode estar se perguntando: mas do que vale saber uma história de AVC? Bem, ela é bem impactante, impressiona, e poderia ter sido diferente se o acidente tivesse sido identificado logo nos primeiros sinais. A vítima seria rapidamente encaminhada ao hospital, teria mais chances de sobreviver, teria menos sequelas (ou até mesmo nenhuma), retornaria ao mercado de trabalho dentro de pouco tempo. Seria apenas um susto. Tudo isso seria um sonho para nós, sobreviventes, um sonho impossível para muitos de nós (já que não se pode voltar no tempo), mas que pode ser realidade para as futuras vítimas de AVC. Não é piedade que contamos a nossa história, mas para te ensinar quais foram os sinais do nosso derrame, e, indiretamente, tentarmos salvar a vida de uma futura vítima, caso ela cruze o seu caminho. É muito difícil reviver um trauma, mas não queremos que outra pessoa o viva.

E este método realmente funciona. Cada pessoa impactada por uma história de AVC é capaz de identificar os principais sinais de lesões neurológicas ao ponto de encaminhar a vítima para um hospital mais próximo. Na prática, é a extensão da nossa “corrente do bem”, da qual você agora faz parte.

SORRISO TORTO. Na UTI, principalmente após o meu AVC isquêmico, a equipe sempre pedia para eu sorrir, e quando eu sorria, eles me olhavam preocupados. Devia ser porque estava com o rosto contorcido, um sinal clássico de AVC, que embora não apareça em todas as vítimas, ainda assim é muito presente. Isso acontece porque quando machucamos um lado do cérebro, o lado oposto do rosto se enfraquece, fazendo com que fiquemos com o semblante bem disforme. Se a pessoa estiver falando, também dá para perceber essa diferença. Aliás, este é um sinal facial bem visível.

DIFICULDADE DE FALA OU COMPREENSÃO. Sabe quando uma ligação corta e a conversa fica pela metade? É quase isso, só que pior. A vítima tenta falar e simplesmente não sai nenhuma palavra. Ou você fala e ela te olha como se escutasse grego antigo. Ou também ela pode estar tentando falar que está passando mal e só diz: “Batata frita! Beliche!”. Problemas drásticos de comunicação desse tipo são sinais claros de lesões neurológicas e precisam ser urgentemente investigados.

DIFÍCIL MOBILIDADE. Muitos sobreviventes relatam que esse sinal começou com uma forte sensação de formigamento que foi evoluindo para a total perda da mobilidade. No meu caso, não me lembro disso, mas não duvido que tenha acontecido. O fato é que essa dificuldade em se mover começa sutilmente e chega a um nível absurdo, em que a pessoa não consegue erguer o braço, apertar uma mão, andar. Esta dificuldade pode ser unilateral, da cintura para baixo ou até do pescoço para baixo. Nesses últimos casos, a vítima simplesmente cai e não consegue se levantar. É assim mesmo. Ela fica lá até alguém a tirar.

DOR DE CABEÇA INTENSA. Antes de gerar desespero, quero deixar claro que essa dor de cabeça é bem diferente da terrível enxaqueca. A dor de cabeça de AVC é causada pela ruptura ou estreitamento do vaso sanguíneo da cabeça. Ela literalmente é de matar, por isso sua fama é de “pior dor do mundo”, e vem acompanhada de vômitos, gritos e até diarreia. A gente sente uma pressão muito forte no topo da cabeça ou na nuca, e logo identificamos que não é normal. Sério, não existe ser humano que aguente essa dor sem pedir ajuda.

É claro que cada AVC é único, e como cada caso é um caso, é difícil especificar todos os sutis sinais de AVC em apenas um texto, então apenas procurei descrever os mais básicos e fáceis de memorizar, porque acredito que se a população em geral compreendê-los, muitas vidas serão salvas. Creio mesmo nisso.

Quando estava imobilizada na UTI, olhava muito para o teto, e sinceramente foi o pior momento pelo qual passei na vida, é algo que não desejo a ninguém. Sei que tive muita sorte em me recuperar ao ponto de voltar a escrever, e desde esta reconquista, sinto o propósito de fazer alguma coisa para evitar que mais pessoas passem pela mesma situação. Todavia, falar apenas da minha história não basta, falar de AVC envolve todos que passaram por esta experiência. Por isso, convido a todos que nunca tiveram contato com um sobrevivente de AVC a escutarem a história de um sobrevivente (ou cuidador) neste dia 29/10. Você vai se surpreender ao constatar quantos de nós existimos ao seu redor. Escute, compreenda os sinais e nos ajude a combater o AVC hoje e sempre. No AVC a gente cai sozinho, mas se levanta junto.

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