Outros junhos virão

Professor da UFPR lança livro que ajuda a explicar como junho de 2013 nos trouxe aqui

Professor de Comunicação Social da UFPR, Mário Messagi se viu, como qualquer brasileiro, perdido diante dos eventos de junho de 2013. Milhares, centenas de milhares de pessoas saíam às ruas para pedir… o quê?

Se o estupor dele era grande, imagine o de seus alunos, de 18 ou 19 anos. Em conversas em sala de aula, professor e estudantes chegaram à conclusão de que deviam tentar entender aquilo. Cientificamente. (Sim, ainda há quem acredite nas ciências sociais…)

Em campo, os alunos aplicaram mais de 600 questionários. E o resultado está no livro lançado recentemente por Messagi pela Kotter: “Outros junhos virão”. Abaixo, uma entrevista com o autor.

Como foi feita a pesquisa?

Foi feita com alunos de graduação e a assistência de um aluno de mestrado, o Mário Lamenha. Eram alunos de 17, 18 anos, universitários, um dos segmentos sociais que mais se engajou nas manifestações, mas eles também tinham muitas perguntas, muitas dúvidas, era muito novo e diferente para todo mundo. Então, as discussões em sala serviram para discutir com participantes do evento quais eram as questões e hipóteses mais interessantes.

Eu preparei uma apresentação on-line com as questões mais relevantes, com as interpretações que estavam circulando na época, então eles entram na discussão não apenas com impressões, mas com uma síntese do que era possível dizer até ali. E os alunos fizeram as aplicações, em bairros de Curitiba, que foram supervisionadas por eles mesmos, na presença, sempre, do Lamenha (aluno de mestrado).

Supervisionamos 20% da amostra, mais na verdade, porque quando descobríamos alguma inconsistência colocávamos todas as aplicações do aplicador que fez a coleta suspeita em supervisão, para ser checada. Com isso, conseguimos fazer com poucos recursos financeiros, muito poucos mesmo, uma coleta de mais de 600 entrevistas em toda Curitiba (depois apenas um pouco menos de 600 ficaram na amostra, porque algumas aplicações foram descartadas, por inconsistências ou para proporcionalizar a estratificação socioeconômica).

Ao mesmo tempo, ofereci aos alunos a experiência de fazer pesquisa de verdade na graduação, que é um desafio para as universidades públicas. Em geral, oferecemos apenas poucas oportunidades com iniciação científica ou com trabalho de disciplinas, que não geram, em geral, dados aproveitáveis e cada vez mais se limitam a pesquisa no Google.

Quais as tuas principais conclusões a partir dos dados?

A principal conclusão é a de que junho significou uma inflexão na democracia brasileira, entramos na fase da democracia radicalizada, como aconteceu em vários outros países. Houve aqueles que conseguiram pacificar o ambiente, oferecer saídas para a radicalização, muito mais movida por sentimentos do que pela razão, pelas vias da política institucional, seja nos partidos (como na Espanha, com ascensão do Podemos e do Ciudadanos) ou no crescimento da direita republicana e da esquerda democrata, nos Estados Unidos, seja pela criação de vias de debate mais racional, como o Grande Debate Francês, comandado por Emanuel Macron. Uma coisa é certa: democracias radicalizadas não se “desradicalizam” sozinhas e muitos atores políticos tentam tirar proveito da radicalização.

A outra conclusão importante é que a forma de organizar e fazer política está irremediavelmente alterada. Muitos tentaram atribuir sentidos a junho de 2013 no Brasil, dizer que foi um movimento de esquerda ou de direita, que queria desde o princípio atacar o governo federal ou era contra a corrupção ou que era efeito de um incômodo profundo com o regime capitalista, que foi feita por jovens que tiveram um pouco com as políticas do governos do PT e agora queriam mais.

Junho foi tudo isso, porque estes movimentos não se organizam em torno de uma pauta única, mas sobretudo em torno de um desconforto com um inimigo comum, com uma fonte do desconforto que todos acham ser a mesma. Eles não tem sentido único em lugar nenhum do mundo, em termo de conteúdo, em termos de reivindicação, mas uma demanda subjaz a todos: a reivindicação de maior participação política e de participação permanente, não apenas nos momentos que a democracia institucional permite, no voto e em pesquisas de opinião.

As redes sociais oferecem um espaço caótico e presidido por diretrizes econômicas para esta participação política, sem assumir seu papel na condução das democracias. E, por isso, podem levar uma reivindicação legítima de mais participação a regimes que restringem a participação, como acontece neste momento no Brasil.

Compete ao campo político oferecer espaços institucionalizados de participação, debate e formulação de consensos políticos. Caso contrário, será acuado o tempo todo pelas pressões radicalizadas das redes sociais.

Qual é a importância dos fatos de 2013 para entender o Brasil de hoje?

RImportância capital, mas não há uma relação direta entre junho de 2013 e a ascensão de um regime de ultradireita. Muitos processos de transformação política podem ser conduzidos para resultados desastrosos, como a revolução francesa, que abriu as portas para o terror, ou a revolução bolchevique, porta de entrada do stalinismo. Mas não podemos julgar estes momentos históricos pelo que de pior eles legaram. Os protestos que radicalizam as democracias (Occupy, Indignados, Coletes Amarelos) se relacionam com o ambiente político onde emergem.

Hoje, olhando para o passado, vemos que o que o movimento pedia, independente da reivindicação específica de cada coletivo, de caga organização que o fez, era mais voz, mais participação. O sistema político brasileiro fez o contrário. Com medo das ruas, dando uma interpretação autoritária à recusa da política institucionalizada que junho representava, ofereceram menos política e se livraram do risco de serem pegos em esquemas corruptos de financiamento eleitoral: encurtaram as campanhas, diminuíram os tempos de rádio e TV, imaginando que isso reduziria as chances de novatos, de outsiders políticos, e aprovaram um megafundo público de financiamento de campanhas. A partir daí, todos os grandes partidos alocaram o maior volume possível de recursos em quem já tinha mandato, para garantir a sobrevivência política de quem já estava lá.

O sistema judiciário cumpriu o papel de interferir nas eleições, tirando o principal candidato do jogo, num processo que é uma completa farsa. E mesmo assim não é certo que Bolsonaro ganharia se não fosse o esquema, criminoso, diga-se, que montou de disseminação de mensagens pelo WhatsApp e a facada que tomou, que lhe deu dois importantes insumos para vencer: silêncio e tempo de TV, nos telejornais.

Então, sim, junho é parte da paisagem, mas muitos outros elementos construíram a distopia que estamos vivendo.

Onde você estava no momento das passeatas? Chegou a participar?

O livro é fruto da minha incompreensão de junho. A forma de organizar, o gigantismo, a estética, a diversidade de pautas, tudo era novo para mim. As minhas perguntas, minhas dúvidas me moveram para fazer o projeto e me mantiveram longe dos movimentos. Vi as passeatas de fora, sem me juntar a elas. Não consigo aderir a movimentos que não compreendo. Vi as passeatas, mas não as integrei.

O que os dados revelam confirma as tuas impressões da época?

Em alguns casos, eu tinha hipóteses, como, por exemplo, de que o gigantismo de junho era fruto da ação unificada dos meios tradicionais (rádio e TV, sobretudo) e da organização em rede. Neste caso, por exemplo, o que vi nos dados foi uma força da televisão que o discurso ufano de junho tentava esconder. Entre o dia 14 de junho e 22, aproximadamente, a televisão foi a grande promotora e a grande narradora dos atos, mas ela sozinha não conseguiria colocar gente nas ruas.

Na questão do posicionamento ideológico dos participantes de junho, eu supunha que eram jovens mais interessados por política e descobri que mesmo com a inflexão à direita dos participantes de junho (quanto maior a manifestação, mais à direita ela estava), em geral quem foi para a rua tinha perfil mais progressista dos os jovens que não protestaram. Junho foi de esquerda, na média. Mas foi utilizado pela direita de forma muito mais efetiva.

O que poderia ter sido diferente?

Hoje, é mais fácil ser profeta do passado, dizer o que poderia ter sido feito para evitar nossa guinada à extrema-direita, ao fundamentalismo religioso, ao obscurantismo antiartístico, anti-intelectual e anticientífico.

Era preciso ter mais clareza de como diversos atores políticos, na mídia, no judiciário, nas redes sociais, nas igrejas e em diversos segmentos econômicos, estavam se movendo. Foi tudo muito imprevisível porque não estávamos olhando para os atores certos, ou com o olhar certo ou não estávamos dando-lhes o peso que efetivamente têm.

De qualquer forma, a direita foi a grande derrotada da última eleição, foi quem mais perdeu espaço para a extrema-direita. Ela, dominante no sistema político, sobretudo no Congresso, deveria ter agido pela abertura política, para tornar o sistema mais poroso à participação dos cidadãos. É um desafio, ainda, para a Câmara e o Senado, para os poderes executivos, para entidades de representação, como sindicatos e movimentos sociais institucionalizados. Para todos os atores que ainda acham que a racionalidade política e a democracia ainda são os melhores caminhos para a nossa sociedade. Nem todos no poder hoje concordam com isso.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima