Luta e resistência: Sociedade 13 de Maio é símbolo de memória, cultura e identidade negras em Curitiba

Terceiro clube mais antigo do Brasil mantém viva a história afrobrasileira na capital paranaense

“A gente está aqui há 133 anos numa resistência feroz. Uma resistência infinita.” É dessa forma que Álvaro da Silva começa a contar a história da Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio, o terceiro clube social negro mais antigo do Brasil, do qual é presidente desde 1997. Fundada em 6 de junho de 1888, a 13, como é conhecida, é a principal referência da população negra em Curitiba, mantendo vivas até hoje a cultura e a história afrobrasileira.

“No começo, eu não tinha noção do que era a 13 de Maio. Na continuidade que fui sentindo que a 13 realmente era e é uma casa dos negros, uma casa de resistência”, conta Álvaro, que passou a frequentar o clube aos 6 anos, por influência do pai, de quem herdou a presidência.

“Meu pai era barbeiro, foi apelidado de ‘Garoto da Saldanha’, pois era muito conhecido e conhecia todo mundo. Foi em um rolê que ele se esbarrou com o clube dos negros aqui e foi convidado pelo senhor Demétrio – filho dos fundadores – para segurar a diretoria com ele. Depois meu pai me chamou para ajudar no clube e eu fiquei até hoje”, recorda.

Seu Euclides da Silva, pai de Álvaro, na Sociedade 13 de Maio. Foto: arquivo pessoal

A primeira instituição voltada para afrodescendentes no Paraná foi criada com o objetivo de oferecer assistência e alfabetização aos escravizados recém-libertos e suas famílias. No começo, o clube, que tinha cerca de 400 sócios, não possuía apenas caráter recreativo, como também era um espaço de articulação política do movimento negro de Curitiba. A Sociedade oferecia aulas de samba e forró e realizava bailes e gafieiras aos domingos para angariar fundos. As festas também eram uma forma de dar visibilidade e centralidade à militância da população negra.

“São poucos clubes hoje que aguentam, e eu estou vivo e resistindo ainda. Eu passei uma vida aqui dentro e fico satisfeito por ter feito aquilo que meu pai queria. Agora a luta continua para manter essa história viva com grandeza, amor e carinho pela população negra. Eu vou deixar a 13 como meu coração manda: livre e espontânea para todos os negros”, afirma Álvaro, aos 75 anos.

Álvaro da Silva, atual presidente do clube, aos 75 anos. Foto: Maria Cecília Zarpelon/Plural

O começo

Pouco antes da assinatura da Lei Áurea, em 1888, um grupo de homens negros se juntou em Curitiba para criar uma organização que ajudasse as pessoas negras tanto de forma fincanceira quanto social e educativa. Nascia, assim, a Sociedade 13 de Maio.

A primeira sede da Sociedade funcionava na casa de João Batista Gomes de Sá, um dos fundadores, que ficava na Rua Mato Grosso (atual Comendador Araújo). Foi só 8 anos mais tarde que a Câmara Municipal de Curitiba cedeu à agremiação o terreno na Rua Colombo (atual Desembargador Clotário Portugal, número 274), onde a Sociedade permanece até hoje.

Segundo a fotógrafa, documentarista e antropóloga Geslline Braga, que realiza projetos sobre a Sociedade 13 de Maio desde 2012, a primeira reunião para a fundação da organização aconteceu antes mesmo da própria abolição. “Nesse primeiro momento a 13 não era só uma sociedade festiva, mas sim uma sociedade de organização social. Logo na primeira reunião eles determinam a criação de uma escola noturna para o letramento porque existia um entendimento de que o letramento poderia promover uma mobilidade social. O mais importante era esse associativismo para promover algo que a abolição não ofereceu, que era o que hoje a gente chama de políticas públicas.” 

Isso mostra, segundo Geslline, que a população negra já tinha o entendimento de que seria preciso promover uma inserção social e igualdade de direitos que a Lei Áurea não foi capaz de proporcionar. Seria necessário construir estratégias de sobrevivência e inclusão na sociedade próprias. “Eles já tinham essa consciência de que a abolição era também um engodo político que estava oferecendo só liberdade. A luta por direitos continuaria depois daquele 13 de maio”, afirma.

A antropóloga destaca que, naquela época, já existia um processo de apagamento epistemológico, cultural e histórico da população negra. As Leis de zoneamento passavam a expulsar essa parcela da sociedade para as periferias em uma tentativa de distanciá-la. No entanto, as diversas associações negras de Curitiba atuavam ativamente em movimentos cívicos e políticos para defender a cultura, história e direitos da população negra.

“Eu considero esses espaços muito significativos no sentido de a gente pensar essa presença que é um sinal de resistência, de uma representação que não é só aquela cansada e repetitiva imagem do negro como escravo. Os clubes mostram a população negra organizada, estruturada e que vai à luta não só com o corpo mas com outras ferramentas.”

Edição do dia 1/10/1888 do Jornal “A Idea”. Naquele ano, a Sociedade comemorou o dia 28 de setembro, que marca a assinatura da Lei do Ventre Livre, fazendo uma passeata noturna.

De acordo com Nei Luiz Moreira de Freitas, advogado, historiador, pesquisador da escravidão no Paraná pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e presidente da Comissão da Verdade da escravidão Negra da OAB/PR, a Sociedade 13 de Maio foi a primeira iniciativa criada para dar assistência social às pessoas negras recém-libertas da escravidão. 

Para o pesquisador, que é bisneto de Vicente Moreira de Freitas, um dos fundadores da Sociedade 13 de Maio, o espaço é fundamental para demonstrar a contribuição negra na história cultural, econômica, política e social tanto de Curitiba quanto do Brasil.

Vicente Moreira de Freitas. Foto: Clarissa Grassi/Cemitério Municipal de Curitiba

“A busca pela nossa história, cultura e identidade é o que fortalece a nossa resistência. A sociedade é uma das mais antigas do país e resiste em uma cidade dita por muitos como eurocêntrica”, destaca Nei.

Transformações

Segundo Geslline, ao longo dos anos as sociedades operárias que forneciam auxílio social a populações minorizadas passaram por um momento de decadência. A antropóloga explica que, com o tempo, o movimento associativo perdeu sentido e as pessoas deixaram de participar da vida social a partir de clubes. “É uma mudança de hábito. Não só em Curitiba, essas sociedades permaneceram, apesar de todas as dificuldades que enfrentaram, porque sempre existiram pessoas que têm um apego a esses lugares. Eles ocupam esse espaço de uma construção de cidadania muito forte que faz com que as pessoas de fato lutem por eles.”

Os clubes então precisaram passar por transformações e adaptações para sobreviver. Nos anos 1980 e 1990, Geslline conta que a 13 foi palco para shows punks, reuniões de partidos políticos, concursos da população LGBTQIA+ e bailes de pessoas idosas. “A 13 sempre foi um lugar que essas pessoas que não tinham espaço no centro de Curitiba se encontravam.”

No início dos anos 2000, com o crescente movimento da cultura popular em Curitiba, a 13 começou a ser povoada por jovens, músicos e dançarinos da cidade, que passaram a criar um novo sentimento de identidade com a história do clube. Hoje, a 13 luta para se manter por meio da realização de eventos festivos e culturais, além das aulas de forró, samba e maracatu. 

Entrada da Sociedade 13 de Maio em 2019. Foto: Maria Cecília Zarpelon

Identidade, ancestralidade e memória

“Existe um forte sentimento de identidade, de ancestralidade das pessoas que passam por ali e se vinculam de alguma forma com a 13. É algo que não se explica simplesmente porque se sabe do histórico da 13, do que aconteceu ali. Ela é, não só um lugar de referência, que mostra, que exibe, que escancara essa presença negro no centro da cidade, é uma outra percepção sobre a história de mulheres e homens negros que nos é contada. Porque é uma história de resistência, de organização. Ela se consolida como um templo dentro de Curitiba, dessa presença que foi tão apagada”, comenta Geslline.

Para Geslline, os clubes sociais negros carregam um sentido dúbio. Ao mesmo tempo que são espaços que demarcam a existência da segregação que é tão negada no Brasil – uma vez que essas organizações foram criadas, entre outros motivos, pelo fato da população negra ser impedida de entrar nos clubes dos brancos – eles mostram de uma forma festiva, através de encontros, a resistência da comunidade negra não só à escravidão, mas também à tentativa de exterminar a cultura e a história afrobrasileira.

“A gente, a 13, é a representante da população negra aqui de Curitiba. O pessoal tem que olhar com mais carinho. Vim ver, olhar, dar uma força, falar comigo, ver o que podemos fazer juntos e nos unir. Precisamos deixar a 13 mais viva dentro de Curitiba. Esse é meu objetivo”, finaliza Álvaro.

Para ir além

  • Documentário “Sob a Estrela de Salomão”. Produzido em 2012, através do Edital de Patrimônio Imaterial da Fundação Cultural de Curitiba, a obra conta a história da Sociedade 13 de Maio e a trajetória das pessoas que passaram pelo clube. O documentário está disponível no Youtube.
  • Livro “Dos Traços aos Trajetos: A Curitiba Negra entre os séculos XIX e XX”. Lançado em 2020 e escrito por Brenda Santos, Geslline Braga e Larissa Brum com a colaboração de outros estudiosos, a obra aborda não só a presença negra em Curitiba, como seus desdobramentos sociais desde antes da Abolição da Escravatura e o associativismo negro. “É uma pesquisa através das atas da 13 buscando relações através das imagens, dos nomes, e tentando entender as malhas, os trajetos dessas relações de homens e mulheres negras de Curitiba com a Sociedade 13 de Maio e com o espaço da época”, afirma Geslline.

Reportagem sob orientação de João Frey

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Luta e resistência: Sociedade 13 de Maio é símbolo de memória, cultura e identidade negras em Curitiba”

  1. Excelente matéria. e sobre um tema muito importante, a nossa querida Sociedade 13 de Maio, referência para curitibanos de múltiplas gerações e polo permanente de atividades culturais.

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