Indígenas Avá-Guarani, do Paraná, lutam pelo direito ao território

Os Avá-Guarani resistem aos impactos do julgamento do marco temporal pelo STF e à intoxicação por agrotóxicos em uma Terra Indígena no oeste do Paraná

O julgamento da tese do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), adiado novamente nesta quarta-feira (7), tem forte impacto sobre os direitos territoriais dos povos indígenas, como os Avá-Guarani da Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá, localizada entre os municípios de Terra Roxa e Guaíra, no oeste do Paraná. O julgamento da tese pelo Supremo é decisivo para sedimentar o entendimento constitucional acerca do direito dos povos originários de todo o Brasil sobre as terras que ocupam.

Os cerca de três mil indígenas Avá-Guarani que vivem em 14 aldeias na TI Guasu Guavirá foram expulsos dos seus territórios por conta da construção do reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu e da expansão agrícola na década de 1940. Eles começaram a retornar ao local em 2004 e cinco anos depois deram início ao processo de demarcação do território. 

Embora a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) tenha suspendido os efeitos da Portaria 418/2020, que anulou os processos de demarcação da TI Guasu Guavirá, uma Ação Civil Pública (ACP) movida pelo município de Guaíra em 2020, e que tramita no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), impede que demarcação seja retomada.

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Os Avá-Guarani e o marco temporal

O julgamento do marco temporal pelo STF pode parecer distante do cotidiano das aldeias do Paraná, mas o interesse pela aprovação da tese tem mobilizado atores locais de Guaíra. 

A Organização Nacional de Garantia ao Direito de Propriedade (Ongdip), entidade que representa os interesses de proprietários rurais do oeste do Paraná, é autora de um dos pedidos de amicus curiae no julgamento do marco temporal. Com sede na principal avenida de Guaíra, a Ongdip argumenta que a aprovação da tese será o principal elemento de pacificação das relações fundiárias brasileiras. 

“Quando a gente fala que nosso futuro está em jogo, que nossa existência está ameaçada, quando a  gente ouve que aqueles que têm o poder na mão querem aprovar o marco temporal e somente aqueles que estavam na data de 05 de outubro de 1988 que terão direito ao território ancestral [argumento central da tese], com isso ao mesmo tempo que estão tentando apagar nossa história eles estão tentando apagar tudo o que fizeram contra o nosso povo”, afirma a liderança Paulina Kunha Takua Rokavy Ponhy, de Guasu Guavirá, resgatando a ação de expulsão que os povos originários sofreram no passado. 

Intoxicação por agrotóxicos

Cercados pelo plantio de monoculturas, sobretudo de soja e milho, os indígenas Avá-Guarani da TI Guasu Guavirá relatam sintomas por intoxicação aguda ou crônica pela contaminação do solo e das águas por agrotóxicos. 

“Sempre tem essas doenças como resfriados, dor de cabeça, diarreia, e outros e isso acontece nestes períodos em que os agricultores passam veneno nas lavouras. Não é só a gente que sofre com isso, mas animais também, plantas, a água e até mesmo nossos remédios naturais e sementes tradicionais são contaminados. Estamos vivendo em meio a lavouras e não tem como evitar isso. Dependemos dos nossos pequenos espaços territoriais, já são pequenos e ainda sofrem o impacto do agronegócio”, diz a liderança da aldeia Tekoha Y’Hovy (PR) e da Comissão Guarani Yvyrupá (CGY), Ilson Soares Karai Okaju. 

De acordo com um levantamento realizado pela CGY, com exceção de três aldeias localizadas na área urbana, todas as demais aldeias Avá-Guarani estão ao lado de plantios. Em alguns casos, a distância entre as monoculturas e as casas dos indígenas e áreas de circulação é menor que dois metros – o que viola a Portaria 129/2023 da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), que determina distância mínima de 50 metros de mananciais de captação de água, núcleos populacionais, escolas, entre outros, para aplicação terrestre de agrotóxicos.

Mais de 60% da Terra Indígena de Guasu Guavirá está dominada pelo agronegócio, enquanto o povo Avá-Guarani resiste em 1,3% da área, com roças tradicionais. É o que revela o estudo “Impactos da produção de commodities agrícolas às comunidades Avá-Guarani da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá/Oeste do Paraná”, da CGY.

Os roçados e quintais – pequenas ilhas de plantio de alimentos e remédios naturais – também ficam expostos à contaminação por agrotóxicos. As consequências deste cenário vão da fome até a intoxicação por agrotóxicos, passando por ameaças à biodiversidade, aponta o estudo. 

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No Paraná, 61% dos estabelecimentos utilizam agrotóxicos. O número corresponde a 189.364 dos 305.154 estabelecimentos presentes no estado. Dos 661 estabelecimentos de Guaíra, 509 declararam utilizar agrotóxicos. Em Terra Roxa, dos 1.209 estabelecimentos, 921 utilizaram agrotóxicos. Os dados são do Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo IBGE.

Arma química 

Uma das preocupações dos Avá-Guarani é a pulverização intencional de agrotóxicos sobre as aldeias, roçados, animais ou água utilizada pelos indígenas. A integrante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Fran Paula, destaca que a prática de uso de agrotóxicos como arma química é recorrente no país e objetiva expulsar os povos tradicionais de seus territórios ou gerar um cenário insustentável de sobrevivência na área.  

“Os territórios indígenas, quilombolas, de povos e comunidades tradicionais, assentamentos da reforma agrária tem se tornado zonas de sacrifício com o avanço do agronegócio, dos monocultivos sobre estes territórios, com a intensa utilização de agrotóxicos pela pulverização aérea ou terrestre que tem colocado a vida destas populações em risco”, destaca.

Para se deslocarem, os indígenas Avá-Guarani muitas vezes precisam passar por trajetos que cruzam o plantio das monoculturas. Foto: Lizely Borges/Terra de Direitos

Denúncia 

No final de março, diversas organizações, junto da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), desenvolveram uma oficina de orientação aos Avá-Guarani para realizar denúncias sobre os agrotóxicos. Um dos desafios, aponta a docente do curso de Ciências Biológicas da Unioeste, Ana Teresa Guimarães, é estabelecer uma relação direta entre a exposição de agrotóxicos e a manifestação de sintomas em casos de contaminação crônica. “Ao observarem o uso dos agrotóxicos e, logo na sequência, começaram a ter tosse, alergia, diarréia e entre outros sintomas, isso pode estar associado ao uso dos agrotóxicos no entorno das aldeias. Eles precisam unir os fatos”. A associação entre a causa e impactos é fundamental para organização e registro de provas e acionamento de órgãos.  

“A universidade tem conhecimento de casos, sempre chegaram relatos de contaminação e intoxicação por agrotóxicos, indicando esta problemática não enfrentada pelo Estado. Tem grande parcela de subnotificação. Há também a dificuldade de identificar casos de contaminação quando não é exposição muito grande e acarretam e danos imediatos”, destaca o professor de geografia da Unioeste, Djoni Roos. Em conjunto com Ana Teresa e mais pesquisadores, a Unioeste está desenvolvendo um projeto de extensão com os Avá-Guarani para fazer diagnóstico do meio ambiente e de como está a saúde dos indígenas pela exposição aos agrotóxicos.  

Na oficina, a Organização Terra de Direitos destacou que os danos causados por intoxicação ou contaminação por agrotóxicos podem ter responsabilização tripla: administrativa, civil e criminal. Os agentes violadores podem ser obrigados a reparar os danos, seja via pagamento de multas, suspensão de atividades, prestação de serviços à comunidade como custeio de programas e de projetos ambientais, até mesmo dever de indenização às vítimas ou pena de detenção ou reclusão.  

“As medidas de reparação e não repetição são necessárias para garantir que as empresas e agentes violadores sejam devidamente responsabilizados”, destaca a assessora da Terra de Direitos, Jaqueline Andrade. Além de mudanças na legislação, Andrade afirma que também podem ser consideradas medidas de caráter simbólico, para garantia de memória e voz dos grupos afetados pela contaminação.

A atividade é uma construção conjunta da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Terra de Direitos, Unioeste, Comissão Guarani Yvyrupá, Centro de Trabalho Indigenista, Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia.  

Medidas

Após a oficina, as entidades requereram, por meio de ofícios, medidas de responsabilização, fiscalização e orientação para diversos órgãos do Paraná, como a Adapar, o Instituto Água e Terra (IAT), o Ministério Público do do Paraná (MPPR), o Ministério Público Federal (MPF), a Secretaria de Saúde do Paraná (Sesa), a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e Secretarias Municipais de Saúde.  

A expectativa é que sejam tomadas todas as providências para fiscalização, controle e segurança no uso irregular de agrotóxicos. O acionamento dos órgãos também objetiva garantir que os profissionais de saúde realizem o acolhimento, diagnóstico, tratamento, notificação e acompanhamento dos casos agudos e crônicos de intoxicação por agrotóxicos, de forma a assegurar o cumprimento da legislação, principalmente do acesso à saúde dos indígenas da TI Guasu Guavirá.

*Com informações da Organização Terra de Direitos

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