Vergonha do profissón

Érick Jacquin é baixote, gordinho, arrogante. É francês, naturalizado brasileiro, e chef de cozinha – e quem entende do riscado diz que é dos bons. Vive no Brasil desde 1995 e suas falas na TV ainda precisam ser legendadas, o que deve significar alguma coisa.

Em 2013, Jacquin quebrou um restaurante famoso de São Paulo, o La Brasserie. Na época, tinha dívidas de R$ 1,5 milhão para com fornecedores e ex-funcionários que o processavam na Justiça do Trabalho. Ao que parece, de acordo com relatos, além da falta de pagamentos ele era um entusiasmado praticante do esporte de atirar pratos nas pessoas.

No Brasil, Jacquin foi salvo da ruína pela TV. Em 2014, virou jurado de um desses reality shows culinários, o Master Chef Brasil. Na Band, seus xingamentos e maus modos começaram a parecer engraçados, e o programa foi um estouro. Ainda é, está no ar até hoje. Mais dois jurados fazem parte do time: Henrique Fogaça, um ex-bancário metido a bad boy, e Paola Carosella, uma argentina durona que de vez em quando chora para quebrar o gelo – alguém, afinal, precisa ter um pouco de coração.

O sucesso foi tanto que a Band decidiu investir ainda mais em Jacquin. Agora, ele tem mais um programa, mais um reality show culinário, o Pesadelo na Cozinha. Nele, o homem que quebrou um restaurante de faturamento milionário visita outros negócios que vão de mal a pior para salvar a pátria, reorganizar tudo e colocar o empreendimento novamente nos trilhos.

Na verdade, não faz muito mais do que dar uma injeção de dinheiro, com reformas e aquisição de novos equipamentos, não sem antes xingar e desdenhar de tudo no processo.

É incrível que sejamos atraídos por programas de TV como esse, em que basicamente ficamos assistindo a um velho babaca e fracassado espezinhar pessoas que muitas vezes apenas deram muito azar, mas o fato é que somos.

Há poucos dias, Érick Jacquin tomou o Twitter de assalto por conta justamente de um episódio de Pesadelo na Cozinha. No episódio, ele encontra o congelador de um restaurante desligado, apesar de cheio de frangos, para poupar energia.

Fica enfezado, dessa vez com toda a razão, e dispara para o proprietário, com seu jeitão gringo de falar:

– Você é um vergonha. Vergonha do profissón.

Lembrei de Érick Jacquin quando vi o vídeo da entrevista que Glenn Greenwald, jornalista norte-americano radicado no Brasil e criador do site The Intercept Brasil, concedeu nos estúdios da rádio Jovem Pan na semana passada.

Nele, Glenn leva um tapa do também jornalista Augusto Nunes, que não gostou muito de ser chamado de covarde ao vivo. O motivo: uma declaração dada por Nunes na mesma rádio Jovem Pan em setembro, criticando a família de Glenn, que é gay, casado com o deputado federal David Miranda, e tem dois filhos adotados. Ele disse: “O Glenn Greenwald passa o dia dando chiliques no Twitter, ou trabalhando de receptador de mensagens roubadas. Esse David fica em Brasília lidando com rachadinhas, que essa é a suspeita aí, que isso dá trabalho. Quem é que cuida das crianças que eles adotaram? Isso aí o juizado de menores devia investigar”.

Augusto Nunes é conhecido por ser um dos mais ferozes críticos das administrações petistas; Glenn, por recentemente chefiar a equipe de jornalistas que trouxe à tona mensagens vazadas que deixam claros os métodos pouco ortodoxos utilizados pelos promotores e pelo juiz Sérgio Moro durante a Operação Lava-Jato – o que na certa contribuiu muito para o julgamento que culminou com a soltura de Lula na sexta-feira, 8.

Glenn Greenwald já ganhou o Prêmio Pulitzer ao levar a público informações sobre programas secretos de vigilância global do governo dos Estados Unidos.

É do jornalista norte-americano Joseph Pulitzer a frase: “Acima do conhecimento, acima das notícias, acima da inteligência, o coração e a alma do jornal reside em sua coragem, em sua integridade, sua humanidade, sua simpatia pelos oprimidos, sua independência, sua devoção ao bem-estar público, sua ansiedade em servir à sociedade”.

Augusto Nunes nunca passou nem perto de coragem, integridade, humanidade, simpatia pelos oprimidos, independência, ou qualquer coisa remotamente relacionada a isso.

Érick Jacquin diria que ele é “um vergonha do profissón”.

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