Velhos demônios moram no quintal

Em dezembro de 2015, a autodenominada Frente Nacionalista, um grupo inspirado nas ideias fascistas de Benito Mussolini e integralistas de Plínio Salgado, escolheu uma chácara em Colombo, nos arredores de Curitiba, para realizar oficialmente o seu congresso de fundação.

Benito Mussolini, ditador italiano.

O evento tinha o patrocínio do PRTB, o partido do general e hoje vice-presidente Hamilton Mourão. A Frente ainda mantinha uma aliança com os Carecas do ABC, um grupo de skinheads paulista nacionalmente conhecido.

Mesmo assim, os nacionalistas repeliam qualquer acusação de intolerância – embora uma de suas plataformas políticas, por exemplo, fosse fechar completamente as fronteiras do país para a entrada de imigrantes. Em vez de “fascistas”, diziam-se “fenaístas”, conceito até hoje não muito bem explicado e que certamente alguém inventara de improviso para satisfazer algum jornalista particularmente insistente.

Aqueles foram dias agitados, e nas noites do centro da cidade eu lembro bem de ver amigos tensos olhando por cima dos ombros. Numa dessas noites, uma rápida troca de socos e pauladas aconteceu na Rua 13 de Maio, bem embaixo da minha janela no segundo andar. Foi um confronto-relâmpago, e terminou antes que eu pudesse encontrar meu telefone para avisar a polícia.

Dois anos antes, em 2013, uma pesquisa da Unicamp mostrara que, em números absolutos, o Paraná era o quarto estado brasileiro que mais baixava propaganda neonazista na internet. O caso só não era mais desesperador do que o de Santa Catarina, que, embora a décima unidade federativa em população, era a primeira no ranking do racismo e da xenofobia virtual, mais que dobrando os registros de São Paulo (convenhamos, é extremamente difícil competir com uma vizinhança dessas).

No fim, o congresso de fundação da Frente Nacionalista acabou cancelado, graças a sindicatos, entidades como o grupo Dignidade e à imprensa, que espernearam bastante.

A escolha do Paraná e mais especificamente de Curitiba, no entanto, não havia sido aleatória. Nosso estado tem um passado não só condenável, mas perturbador. Foi, por exemplo, um dos principais covis do totalitarismo nacional nos anos 1930. A foto de uma horda integralista em 1937, fazendo despudoradamente a saudação nazista durante um comício na Praça Tiradentes, é só um dos documentos do período. Você não precisa pesquisar muito para encontrar imagens de uma falange de camisas-verdes desfilando, em 1934, pela Avenida República Argentina, à época ainda uma estreita via de chão batido.

Na eleição presidencial de 1955, Curitiba deu a Plínio Salgado, o principal líder integralista, sua maior votação em uma capital. Não contente com esse vexame, posteriormente o Paraná achou razoável adotar politicamente o paulista e cravar posição o levando para quatro mandatos na Câmara Federal.

O Integralismo foi a versão brasileira para as ideias totalitárias que enfeitiçaram o mundo na primeira metade do século XX, com Mussolini na Itália, Hitler na Alemanha, Salazar em Portugal e Franco na Espanha. Os fascistas nacionais acreditavam também num triunfo delirante: a lendária civilização perdida de Atlântida estaria destinada a ressurgir, pelas mãos deles, na América Latina. O tipo de ideia alucinante que sairia da cabeça de um Olavo de Carvalho da vida.

Olavo de Carvalho mantém grande influência no governo Jair Bolsonaro.

Olavo de Carvalho que, inclusive, fez de Curitiba o trampolim para sua aventura americana. O astrólogo louco e metido a pensador (eu agradeceria muito se os jornais parassem de tratá-lo como “filósofo” e “guru” e o tratassem pelo que ele realmente é: um doido varrido oportunista) viveu na capital paranaense em 2005. E segundo uma de suas filhas, em entrevista à revista Época, foi ajudado financeiramente por um empresário local a custear sua instalação nos Estados Unidos, de onde agora exerce confortavelmente o papel de teleguiar a destruição do país.

Não surpreende, portanto, que na terça-feira, 9, os números divulgados pelo Paraná Pesquisas mostrassem o governo Bolsonaro – uma administração com a sofisticação intelectual de um cavalo drogado por anfetaminas – com 64% de aprovação no estado, a maior entre as unidades federativas em que o instituo já promoveu o levantamento (ao todo, outras cinco, incluindo São Paulo).

O problema do passado é esse, justamente: ele nunca é exatamente “passado”. Está sempre presente – e às vezes parece metido no futuro como uma infecção irremediável.

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