Uma grande arma apontada para as nossas cabeças

Tem quem não veja muita serventia em O Poderoso Chefão III. Eu gosto. Na verdade, acho mesmo um baita filme. A redenção negada a Michael Corleone é um fecho melancólico para a trilogia. Mesmo que não fosse, não seria uma completa perda de tempo. As 2h50min do filme valeriam por uma única cena, quase um ensinamento – na minha humilde e coitadinha opinião, é claro.

Andy Garcia, faz o papel de Vincent, filho de Sonny Corleone. Crédito da foto: Divulgação.

Nela, Vincent, o filho bastardo do furioso Sonny Corleone, está ansioso para ser aceito na família e virar um mafioso implacável, ao estilo do pai. Em uma reunião, bafejando testosterona, gaba-se de entender muito de armas – nada de finanças ou política, essas coisas aborrecidas, apenas armas.

Ao que o experiente Don Lucchesi responde:

– As finanças são uma arma. Política é saber quando puxar o gatilho.

Na América Latina, e principalmente no Brasil, o pente está sendo descarregado. Só em 2019, em todo o continente, 6 milhões de pessoas a mais cairão na extrema pobreza, fechando a cifra de 72 milhões de pobres-diabos. Aqueles que são definidos apenas como “pobres” saltarão de 185 milhões para 191 milhões.

Serão 27 milhões de pobres a mais do que em 2014.

Os números foram publicados na última quinta-feira, 28, pela Cepal, braço das Nações Unidas para o desenvolvimento da América Latina.

Em todo o subcontinente, dois países puxam a gigantesca comitiva dos arruinados: Brasil e Venezuela. A Venezuela, mergulhada em uma crise humanitária forjada em uma ditadura; o Brasil, praticamente governado por um grupo de extermínio, assistindo ao 1% mais rico de sua população abocanhar um terço de toda a riqueza gerada pelo país em um ano.

Diz o estudo Panorama Social da América Latina, de acordo com a matéria publicada no jornal El País Brasil: “O fim do auge das exportações de matérias-primas e a consequente desaceleração econômica mudaram a tendência a partir de 2015. Mas o processo foi agravado pela diminuição do espaço fiscal e pelas políticas de ajuste que afetaram a cobertura e a continuidade das políticas de combate à pobreza e de inclusão social e trabalhista”.

Em suma, os avanços no combate à pobreza do início da década aconteceram por conta de um ambiente econômico favorável, mas também num contexto no qual “a erradicação da pobreza, a redução da desigualdade, a inclusão e a extensão da proteção social ganharam um espaço inédito na agenda pública”.

Isso foi para o espaço.

O cenário é “muito preocupante e acende fortes sinais de alerta”, de acordo com a Cepal. Um eufemismo burocrático. Nós ultrapassamos os sinais de alerta há mais ou menos umas cinco ou seis curvas. Hoje, é mais acertado dizer que a América Latina e o Brasil são um ônibus ribanceira abaixo a 120 km/h, à noite, na chuva, e com a barra de direção quebrada.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante o debate a reforma da Previdência. Crédito da foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil.

No Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, é um tiranozinho de meia-pataca que ameaça o país com um novo AI-5 como quem solicita um café, um jagunço de colarinho branco para quem a sanguinária ditadura de Pinochet (1973-1990), no Chile, foi “irrelevante do ponto de vista intelectual”. É também um jogador, alguém de fez muita grana especulando nas roletas do grande cassino do mercado financeiro.

Um sociopata funcional. Seu negócio é tocar fogo no circo e apagar a marteladas.

Em 11 meses, Paulo Guedes se mostrou tão insensível ao modo como vive a maioria dos brasileiros, apertou tanto o torniquete social e se dispôs tanto a arrancar o sangue dos miseráveis que obrigou um camarada como Rodrigo Maia (DEM) a encabeçar com Tabata Amaral (PDT) uma “agenda social” no Congresso, à revelia do Executivo. Um projeto que, entre outros pontos, não só amplia o Bolsa Família como pretende inscrevê-lo no texto constitucional.

Minha memória não é exatamente um prodígio, mas até anteontem, quando essa grande quitanda que convencionamos chamar de país ainda respondia a alguma lógica, o DEM não era o partido que brigava para extinguir programas sociais?

Entre o 1% mais rico da população, porém, Paulo Guedes segue sendo um sucesso estrondoso. Estão ganhando dinheiro, e vão ganhar mais, pouco importa que para isso tenham que esfolar vivos uns milhões de infelizes.

Al Pacino como Michael Corleone, em O Poderoso Chefão 3

Mantém, como sempre mantiveram, uma grande arma apontada para as nossas cabeças. Com Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, decidiram que é hora de puxar o gatilho.

Pelo menos os Corleone tinham lá o seu charme.

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