Receita para uma bomba caseira

Você não precisa ser nenhum chef de cozinha para fazer um grande churrasco de domingo. Na verdade, nem precisa de uma churrasqueira. Aqui vai a receita:

– Uma peça de maminha de mais ou menos um quilo.

– Um pacote de sal grosso.

Modo de preparo:

Coloque a maminha em uma forma. Jogue em cima o sol grosso. Leve ao forno a 200º C por quarenta minutos. Talvez cinquenta. Pode ser também uma hora.

Bom, tente não beber muito no processo. Olhe o forno de vez em quando. Eu sugiro a cada dez ou quinze minutos.

Simples, certo?

Aprendi no Youtube. Faz algum tempo. Na época, fiquei fascinado. Quer dizer que posso ter almoço de domingo simplesmente despejando sal em cima de uma peça de carne? Queria dizer exatamente isso.

Cozinhar sempre tinha sido pra mim uma coisa quase inalcançável, um prodígio, mais ou menos como a expedição de Fernão de Magalhães dando a volta no globo há 500 anos. Até que um dia eu comecei a fazer, com a ajuda do Youtube. E, daí, bem, foi só recolher os louros da vitória.

Hoje, você aprende quase tudo na internet. Antigamente, você também aprendia quase tudo, só que não na internet.

Nos anos 60, William Powell tinha 19 anos e uma raiva viva pelo sistema, especificamente pela louca cavalgada dos Estados Unidos no Vietnã. Como estava de bobeira e não tinha nada muito mais interessante pra fazer, escreveu O Livro de Receitas do Anarquista, um manual de guerrilha urbana para colocar abaixo governos.

Aconteceu assim: depois de ver dezenas de pessoas sendo espancadas pela polícia em uma manifestação antiguerra, ele se trancou por quatro meses na biblioteca pública de Nova Iorque, e compilou as informações dos manuais militares disponíveis – sobre como fazer bombas, napalm, adaptar armas, criar silenciadores caseiros, e por aí vai.

À época, Powell encontrou uma editora imprudente o suficiente para publicar o material. O Livro de Receitas do Anarquista causou algum alvoroço no início, problemas com o FBI, ameaças de morte por telefone, mas a coisa assentou. Depois do impacto inicial, o interesse diminuiu a ponto de parecer que cessaria por completo.

E Powell tocou a vida. Virou professor de crianças com dificuldades de aprendizado e se isolou em rincões do Terceiro Mundo. Casou. Teve filhos. Entre a ânsia revolucionária e as palestras sobre inteligência emocional, perdeu por completo o interesse no que havia escrito, renegou aquelas ideias e se livrou do ranço bélico vendendo os direitos de publicação do livro por uma mixaria.

O problema é que em algum momento O Livro de Receitas do Anarquista voltou à tona. Completamente à revelia do autor, vendeu dois milhões de cópias nas décadas seguintes. Nas mãos de adolescentes perturbados, instruiu uma série de chacinas ocorridas nos Estados Unidos, incluindo Columbine. Tornou-se uma espécie de livro de cabeceira do terrorista doméstico.

A história toda está contada no documentário “Anarquista Americano”, que já esteve disponível na Netflix – agora, bem, vocês estão na internet, deem um jeito.

Recomendo. É de partir o coração a entrevista que confronta Powell, um senhor de mais de 60 anos vivendo em uma vila isolada no interior da França, com o remorso por algo que escreveu quando não tinha ideia do que estava fazendo, e que gerou um efeito borboleta à época inimaginável.

E por que estou falando sobre isso? Bem, eu procurei uma receita de barriga de porco na internet e não deu muito certo. A pele ficou molenga. Cuidado com o que escreve. Cuidado com o que lê. Isso vale pra mim também. 

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