Quem pode, pode; quem não pode, se sacode

“Minha vontade por dentro é de chorar. Eu treinei pra caramba. Eu treinei muito, cara. Eu não sei o que aconteceu, que minhas pernas endureceram”, lamentou o corredor brasileiro Altobeli Silva, logo depois de terminar em décimo lugar uma bateria eliminatória dos 3 mil metros com obstáculos, na Olimpíada de Tóquio. “Será que isso vale a pena?”, perguntou, meio pra si mesmo.

Provavelmente foi o calor do momento, as emoções à flor da pele, aquela primeira pancada da frustração que quase nos faz cair sentados, mas Altobeli queria largar os bets, desistir.

Um viva para o nosso time.

Apesar de não ser atleta e não me dedicar a nada na vida tanto quanto Altobeli se dedica à corrida, eu não raro também fico a ponto de chutar tudo pro alto, dizer “tchau, mundo!” e me mudar pra alguma ilha remota e meio desabitada dos Estados Federados da Micronésia. Em minhas fantasias mais ou menos psicopatas, eu viveria em uma cabana, no meio do mato e receberia à bala qualquer coisa que se aproximasse.

De pouco adiantaria. Eu encontraria alguma coisa pra me deixar insatisfeito. O desencanto é o estado natural da vida. E a vida é o que se sucede enquanto permanecemos expectantes, aguardando que alguma coisa realmente importante aconteça. Na maior parte do tempo, não acontece. Quando acontece, ninguém tem mais certeza se aquilo ali era mesmo algo notável, se justificava tamanho desejo, se era motivo pra tanta perturbação.

Também em Tóquio, a estrela norte-americana da ginástica artística, Simone Biles, achou que não, e desistiu de disputar algumas finais.

Mais um viva para o nosso time.

A vitória pode ser poderosa, mas existe uma beleza singela no fracasso, naqueles que não deram certo, nos alcoólatras, nos meios loucos, nos preguiçosos, nos sobreviventes. No fundo, se você olhar do jeito certo, com a perspectiva correta, poderá enxergar ali verdadeiros baluartes morais. Eles se recusaram. O que pode haver de mais bonito do que a recusa? Ninguém precisa sequer de uma vitória pra construir uma vida, mas eu te desafio a contar as derrotas. Elas são como os tijolos de um edifício.

Na semana passada, acompanhei algumas baterias do surfe olímpico. Não pude me manter exatamente empolgado, então tirei longos cochilos no sofá enquanto a competição se desenrolava na TV. Não fez muita diferença. Entendo tanto de surfe quanto Gabriel Medina entende de relações públicas, tenho tanta familiaridade com o mar quando um tubarão tem com um ponto de ônibus.

Mas, quando conseguia me manter acordado, eu lembrava com frequência de Dias Bárbaros – Uma Vida no Surfe, o livro de memórias de William Finnegan, vencedor do Prêmio Pulitzer de biografia em 2016. Foi a coisa mais legal que li no ano passado, embora não a melhor – existe uma diferença –, mas isso não interessa, afinal, esse é um texto sobre perder.

Finnegan é um jornalista político respeitado, repórter de guerra consagrado, alguém que um dia, ainda nos bancos da faculdade, todos nós quisemos ser. Na hora de narrar sua vida, porém, ele arredou tudo isso pro lado, e nas quase 500 páginas de seu livro, mal toca no assunto. Decidiu que o importante mesmo era falar sobre o que acontecia quando ele não estava bancando o importante, escrever sobre a sua real obsessão: surfar. Sobre as viagens que fez, as ondas que descobriu, as ideias idiotas que teve, as quebradas de cara, a mentiras que contou pra poder subir numa prancha, os dias em que fez das tripas coração pra quase ter uma hipotermia no mar, os caldos que por pouco não racharam seus ossos, a vez em que quase morreu de malária. Tudo porque queria pegar onda. Nada disso tinha dado um prêmio pra ele – pelo menos não até o Pulitzer –, mas foi a sua vida, o seu mundo, a sua paixão. Foi o que ele queria.

Por favor, espero que não se importem: um último viva para o nosso time.

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