O que tem de mais lindo do que isso?

Uma cerveja, sozinho, num bar tranquilo, na segunda-feira à noite – ali, a vida até parece valer a pena. Uma longa caminhada pelo bairro, pra botar a cabeça no lugar. A cidade à noite, lavada pela chuva, as luzes dos postes de iluminação refletidas nas poças d’água no asfalto. A melancolia tranquila que vem às vezes no fim de tarde. Um banho quente depois de chegar em casa encharcado.

Analgésicos, antitérmicos, anti-inflamatórios – ansiolíticos.

Uma mulher de batom vermelho.

A mesa redonda depois do jogo que o seu time ganhou. O jogo que o seu time ganhou. As faltas do Marcelinho Carioca quando eu era moleque. A paixão daquela quarta-feira, de Libertadores. A loucura daquele domingo de Mundial. O choro daquele Campeonato Brasileiro vencido no mesmo dia em que Sócrates morreu.

Um shot de uísque. O cigarro depois do shot de uísque. Um copo de limonada. Elizabeth Taylor em “Gata em teto de zinco quente”. Paul Newman em “Gata em teto de zinco quente”. Tennessee Williams escrevendo “Gata em teto de zinco quente”.

A cidade de madrugada, vista do décimo oitavo andar. Os silêncios que não são constrangedores. Vencer uma aposta idiota. Perder uma aposta idiota. Fazer uma aposta idiota.

Euforia. Excitação. O sangue disparado nas veias. Maionese de batata aos domingos. Cozinhar com calma, picar os legumes como se amanhã não fosse segunda-feira.

No ônibus, fazer caretas para uma criança, sem os pais dela verem.

Os dias em que a cabeça não é de vento. Os dias em que os pés não são de âncora. Os dias de temperaturas amenas.

O primeiro dia na cidade grande. O primeiro dia na faculdade. O último dia na faculdade. Todos os dias em que você não precisa cortar o cabelo.

Cheiro de serragem.

Uma boa noite de sono (nunca acontece). Aquela camiseta descosturada do Belchior, que me deixa ainda mais magro. Encontrar um velho camarada por acaso, e mandar o resto dos planos pro espaço.

“Revolution rock”, do Clash.

Perceber que aquele amigo que você achou que tinha ficado magoado não está nem aí. Dizer para aquele amigo que achou que você tinha ficado magoado: esquece essa merda, cara. O churrasco de fim de ano com o pessoal da velha guarda (sem amigo secreto). Um jogo de truco em família.

Uma viagem de ayahuasca.                            

Um gato afofando sua barriga antes de finalmente decidir deitar e dormir. Hamsters alucinados em suas rodinhas.

Um livro de história que de repente me conta um episódio maluco (vocês sabiam que a Casa de Habsburgo já reinou sobre o México?). Um romancista que em duas frases define algo que eu sinto nos ossos, mas que jamais seria capaz de articular.

Fazer o que precisava ser feito, mesmo quando você achava que não ia dar nem fodendo. Estragar tudo, e ainda assim sentir vontade de recomeçar. Perceber que dá pra aguentar o tranco. Um pouco de sorvete.

Se afastar de casa. Voltar pra casa. O cheiro de lençóis limpos. Casas de madeira pintadas de amarelo.

O jeito que ela me encara do outro lado da mesa, atrás dos óculos grossos, o sanduíche pela metade.

Sentar no chão. Deitar no sofá. Jonny Lee Miller como Sherlock Holmes (eu sei, eu sei).

Sair para comprar calças, acertar de primeira e se livrar logo do aborrecimento.

O orgulho. A teimosia do camponês. Viver o suficiente para vingar as injúrias. Todos os livros de Kurt Vonnegut – de quem, a propósito, roubei o título lá de cima: afinal, o que tem de mais lindo do que isso?

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