O pescador de Ano Novo

À exceção de um período de poucos anos morando em Joinville, Santa Catarina – do qual eu não lembro lá grande coisa, porque era muito meninote –, vivi até os meus 17 anos numa cidadezinha. Uma cidadezinha lá longe, muito longe, mais ou menos a uns cem quilômetros do distrito de Onde o Vento Faz a Curva.

Na verdade, exagero. Sou um homem dramático, e depois de três semanas longe deste espaço, pensei em fazer um primeiro parágrafo impactante, uma entrada triunfal. Não era – é – tão longe assim. Minha cidadezinha natal, Nova Prata do Iguaçu, fica no interior do Paraná, mais especificamente no sudoeste, precisamente a 80 quilômetros de Francisco Beltrão. Nunca fomos grandes ou muito populares, mas tínhamos a nossa turma. No caso, um punhado de outras cidadezinhas sem nenhuma outra função aparente no mundo além de nos dar um código de endereçamento postal. Uma pequenina galáxia do marasmo.

Sem muito mais o que fazer, nos dedicávamos ao que fazíamos de melhor. Uma gente sem distrações acaba por formar uma imbatível combinação de escritório de investigações e agência de notícias – ela se dedica à fofoca. E não havia pequeno escândalo profissional ou matrimonial que acontecesse em uma cidadezinha da região que em questão de dois ou três dias não estivesse sendo discutido em outras 17.

Eu falei que éramos bons, não falei? Em certos casos, a mesmice pode ser muito estimulante.

Isso durava a maior parte do ano. Mas em dezembro, quando eu era uma criança lá pelos meus 12 ou 13 anos, havia o que para mim era um acontecimento: a parentada de longe vinha nos visitar. Os tios e primos davam uma boa movimentada nas coisas.

Um tio, por exemplo, gostava de pescar. Levava a molecada a reboque, todo mundo dentro de um carro sob o sol de um sábado de manhã pelas estradinhas de cascalho, ouvindo Milionário & José Rico.

Pescávamos no lago de uma usina hidrelétrica, a grande novidade da região, a despeito de ele já ter estado lá há mais ou menos uma década, acho. É que num lugar em que não acontece nada, é perfeitamente possível que uma novidade dure dez anos.

Lembro de ser obrigado a passar protetor solar e a usar boné. De ganhar uma vara devidamente equipada com linha e anzol e uma garrafa pet de Coca-Cola cortada pela metade, cheia de terra e minhocas.

Lembro de sentar na barranca junto com os outros, à espera dos lambaris, enquanto meu tio bebia cerveja e contava histórias. Não era muito prudente, mas era o que era.

Lembro que os lambaris raramente vinham, porque eu geralmente era incapaz de colocar uma minhoca no anzol da forma adequada.

Lembro de ficar puto com isso. Aqueles peixes, sim, eram inteligentes.

Normalmente meio ensimesmado e sem traquejo social algum, eu ficava expansivo e tagarela, porque gostava do meu tio, e ao que tudo indica ele também gostava de mim. Eram boas manhãs, e eu lembro delas com carinho.

E então as pescarias acabavam. As festas de fim ano também. A Terra começava a dar mais uma volta em torno do sol. A parentada colocava as coisas no carro e ia embora. Tudo voltava a ser como antes. Nada mudava.

Este ano, passei a virada de 2019 para 2020 com a minha família. No dia primeiro, fui a um bar no centro da cidade encontrar alguns amigos. No balcão, olhei para o rosto familiar do outro lado e quis saber:

– E então? Que tal 2020?

O camarada sorriu cúmplice e respondeu:

– Nada mudou.

Sorri também.

Nada mudou. E ainda assim é 2020. A propósito, estou pensando em começar a fazer aulas de meditação. O que acham?

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