O chamado à aventura

Não sou exatamente o que se poderia chamar de um espírito aventureiro. Eu nem sequer gosto muito de viagens, admito – e quem acha que por conta disso sou um homem monótono e entediante, saiba que tem toda a razão.

A ânsia da humanidade por andar por aí carregando malas de um lado pro outro não me seduz. Pra mim, viagens devem durar poucos dias – no limite, eu ainda preciso conseguir me virar com o conteúdo de uma mochila pequena.

Uma exceção a isso talvez fosse o México. No México eu toparia passar algo como duas ou três semanas. Sou absolutamente fissurado por mariachis.

A princípio, quando vim pra Curitiba, o plano era que a cidade fosse pra mim pouco mais do que um motel de beira de estrada. Eu ficaria por aqui quatro anos, terminaria a faculdade e seguiria viagem. Isso foi há 16 anos. E eu ainda estou aqui, não estou?

A inércia é uma força muito poderosa.

Para mim ela foi temporariamente abalada uma vez. Foi quando li “No ar rarefeito”, livro-reportagem do jornalista americano Jon Krakauer sobre a expedição que ele fez ao Everest em 1996, um dos anos mais mortíferos na montanha.

Tudo o que poderia dar errado, deu errado, e os cadáveres se acumularam no topo do mundo. O relato de Jon Krakauer é forte e angustiante. Por motivos que jamais seriam satisfatoriamente explicados, meu cérebro processou isso como um chamado à aventura.

Por que não?, pensei. Taí uma coisa que eu faria: escalar o Everest. Quer dizer, se eu tivesse dinheiro e se o meu condicionamento físico aos 30 anos de idade não fosse apenas o resultado da atividade de lustrar balcões com os cotovelos.

Não era bem uma vontade, um plano, um objetivo – detesto a palavra “sonho”, o tipo de baboseira que eu espero ouvir da boca um apresentador de programa de auditório. Era só uma ideia que por algum tempo ficou guardada em algum escaninho da minha cabeça.

A coisa faz ainda menos sentido se você pensar que da única vez em que me convidaram para subir o Morro do Anhangava, em Quatro Barras, durante um fim de semana, recusei peremptoriamente.

– Eu não vejo muita graça nessas coisas, vamos deixar pra lá.

– Quando chegar lá em cima e ver a paisagem, você vai gostar, eu garanto.

– Então você fica encarregado de tirar uma foto e me mandar por email na segunda-feira.

De modo que não demorou muito tempo pra eu esquecer a história do Everest. Até sentar para escrever este texto, fazia muito tempo que eu não pensava nela ou nas descrições trágicas e exuberantes do livro de Krakauer.

Sorte a minha. Não há nada mais perigoso para um sujeito como eu – comum, ordinário – do que ouvir O Chamado à Aventura.

Em 1986, o lançamento do ônibus espacial Challenger estava sendo acompanhado por centenas pessoas no Cabo Canaveral e televisionado ao vivo. Na tripulação, estava Christa McAuliffe, uma professora de História que seria a primeira civil americana a viajar para fora da Terra. Ela tinha sido selecionada entre 11 mil docentes, e no espaço daria uma aula que seria transmitida para escolas dos Estados Unidos.

Era francamente uma ação de marketing, num momento em que o programa espacial americano estava desprestigiado. Não havia nenhum propósito em tirar uma professora de dentro de uma escola e mandar ela ao espaço para dar uma aula.

O Challenger explodiu 73 segundos após sair do chão e pulverizou McAuliffe e o restante da tripulação diante dos olhos de milhões de pessoas.

Foi negligência. Os mandachuvas decidiram ir em frente com o lançamento mesmo sabendo do risco de alguns componentes da nave falharem por conta das condições climáticas do dia. Muita publicidade estava em jogo.

Um civil posto em um ônibus espacial para dar uma aula na órbita da Terra – tenho dificuldades em pensar em alguma ideia mais estúpida do que essa.

Talvez escalar o Everest.

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