Comentários sobre uma amigdalite

Eu raramente fico doente. Um prodígio, se você levar em conta que durante toda a minha vida possivelmente eu jamais cultivei um único hábito saudável.

À exceção de caminhadas – caminhadas são revigorantes. É caminhando que eu resolvo problemas, tomo decisões ou simplesmente deixo o pensamento voar, como que levado por balões de hélio.

Mas na semana passada eu não caminhei; eu fiquei doente. Quer dizer, eu ainda estou doente. Escrevo esse texto num daqueles pequenos intervalos de calmaria que o corpo febril ganha depois de uma alta voltagem de paracetamol e ibuprofeno – e se por acaso o efeito terminar e de repente eu começar a falar sobre pequenos elefantes cor-de-rosa sentados sobre semáforos, isso não tem nada a ver com substância ilegais.

Foram as amígdalas. Eu não me sentia muito bem há alguns dias, mas no domingo, 20, a peste me acertou com força. Tratei a coisa como uma simples dor de garganta, e rosnei contra os céus de Curitiba, porcaria de tempo, quem é que fica bem numa cidade dessas?

Na terça-feira à tarde o sol ia forte do lado de fora enquanto eu me enrolava em dois cobertores e tremia de frio. Aquilo não estava bem. Preparei na palma da mão um bombardeio de comprimidos para dar alguma estabilidade ao corpo e caminhei até a Unidade de Saúde, não muito longe de casa.

– Abre a boca, coloca a língua pra fora – pediu a enfermeira responsável pela triagem.

– Ahhhhhh.

– Hmmm. Está feio.

– Muito feio?

– Bem inchada.

Algum tempo depois, quem estava investigando a minha garganta era a médica de olhos escuros e esgazeados.

– Hm. Tem muito pus – ela disse. – Vamos ter que pegar pesado.

Imediatamente ganhei uma injeção de Benzetacil – a última eu tinha levado umas duas décadas atrás (se alguém estiver interessado: continua dolorida pra cacete) – e voltei pra casa com 21 comprimidos de amoxicilina.

Fiquei bem por mais ou menos um dia, e então retomei minha rotina de tremer sob cobertores e suar frio o suficiente pra encharcar roupas, lençóis, travesseiros ou qualquer outra coisa que ficasse sob mim.

Sou um homem que acredita na medicina. A coisa devia estar muito feia mesmo. Era preciso dar tempo ao tratamento, permitir que o exército da penicilina decapitasse aos poucos a enorme matilha de bactérias que rugia na minha garganta.

Na sexta-feira à noite a febre de quase uma semana tinha incinerado todas as minhas forças. Eu não conseguia nem mais me preocupar com todo o trabalho atrasado. Era óbvio que aquilo não estava funcionando. Às 20 horas, entrei em uma Unidade de Pronto Atendimento.

Talvez todo jornalista devesse passar uma noite por mês em uma Unidade de Pronto Atendimento. É uma boa amostragem de quem vive na cidade. Em algum momento, uma senhora sem os incisivos começou a contar que estava lá desde às 13 horas. Por conta do marido, possivelmente com pneumonia (não tinham explicado muita coisa pra ela). Ele estava tomando soro atrás de uns biombos nos fundos da unidade. Ela estava preocupada:

– Não sei o que vão fazer com ele. Vai pra onde? A gente não trouxe nem blusa.

A médica que novamente escrutinou o fundo da minha garganta disse:

– Deve ser uma bactéria resistente. Vamos pro plano B.

Saí de lá às 23h, mal conseguindo mexer a boca para falar, mas com quatro vidros de um pó para preparo de xarope e duas cartelas de comprimidos.

De modo que aqui estamos nesta manhã de domingo, com uma febre que ainda vai e vem e uma garganta que ainda dói, mas aparentemente melhorando aos poucos. Uma inflamação nas amígdalas é uma bobagem, mas me derrubou por uma semana. Sabe aquele pessoal que fala que o corpo humano é uma máquina perfeita etc? Quero retrucar: como confiar em uma máquina que tem um milhão de maneiras idiotas de entrar em colapso?

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