Brad Pitt está infeliz. E você também, provavelmente

Brad Pitt está infeliz. Famoso, endinheirado, bonitão e bad vibe. É o que me garante a “Crônica de um ícone devorado por seus demônios”, publicada na semana passada pelo El País. Antigamente, Brad Pitt lidava com seus frequentes episódios de depressão atirado sobre um sofá e fumando maconha, por dias. Agora, passa uma semana sem trocar de roupa. E quando alguém passa uma semana sem trocar de roupa, talvez precise do equivalente psiquiátrico em química cerebral a um guindaste da construção civil para sair do buraco.

A sabedoria popular nos diz desde sempre que fama e dinheiro não trazem felicidade, e um Brad Pitt fedendo há sete dias sem banho parece confirmar isso. A sabedoria popular, no entanto, quase nunca é sábia, e na esmagadora maioria das vezes está a alardear besteiras. Brad Pitt está deprimido, mas estou certo de que estaria pior se não fosse uma estrela de Hollywood. Se precisasse, por exemplo, bancar o animal de tração e arrastar um carrinho de materiais recicláveis pelas ruas de uma grande cidade.

A felicidade (ou essa abstração a que costumamos chamar de “felicidade”) tem, sim, a ver com dinheiro. E ela é uma questão política.

A World Happiness Report é uma pesquisa divulgada anualmente com o apoio da ONU e que mede os índices de felicidade em mais de uma centena de países. Relatório após relatório, ela mostra consistentemente que no topo na lista estão sempre os países nórdicos: Finlândia, Noruega, Dinamarca, Islândia, Suécia. Não à toa, é também nesses países que estão os melhores índices de desenvolvimento humano do planeta (expectativa de vida, educação e renda).

Entre as mais infelizes, nações como Malawi, Síria (em guerra civil desde 2011), Botsuana e a caribenha Haiti (o país mais pobre do continente americano).

O bem-estar de um povo (ou “felicidade”, se você preferir) não tem a ver com sol, luz ou a exuberância de praias paradisíacas. Esse é só um truque publicitário barato. Felicidade tem a ver com governança pública, transparência, confiança, essas coisas chatas. Basicamente, com onde o governo da vez decide enfiar o seu dinheiro.

É claro, nem tudo é sempre cálculo frio. Apesar de ter um dos melhores índices de desenvolvimento humano do planeta, o Japão, por exemplo, não costuma fazer muito boa figura quando o assunto é o ranking de felicidade. Uma possível explicação é dada por Andrew Solomon em O Demônio do Meio-Dia, o seu amplo e rigoroso ensaio sobre a depressão (814 páginas na minha edição, da Ponto de Leitura): “Culturas diferentes expressam dor de modos diferentes, e membros de culturas diferentes sentem diferentes espécies de dor, mas a solidão é uma característica infinitamente plástica”.

Nesse sentido, o Brasil é um país semelhante ao Japão, mas com o vetor ao contrário: não somos nenhum campeão de IDH, mas figuramos relativamente bem nos índices de felicidade. Ou figurávamos. Desde 2013, caímos sete posições. De 25.º para 32.º. O que mostra uma tendência, segundo os especialistas. “Não há sinais de que voltaremos aos índices anteriores”, diz o economista Marcelo Neri, da FGV Social.

Você lembra o que aconteceu a partir de 2013, certo? De lá pra cá, o número de desempregados no país mais que dobrou, passando de 6 milhões para cerca de 13 milhões. A renda média domiciliar caiu, um contingente cada vez maior de pessoas foi atirado à pobreza, a desigualdade social se aprofundou (em sete anos, a renda dos mais ricos subiu 8,5%, e a dos mais pobres caiu 14%) e até os índices de mortalidade infantil voltaram a subir.

Nossas escolhas políticas cobram seu preço. Somos um país cada vez menos democrático, e a imagem do brasileiro com ginga, feliz e sempre pronto pra uma farra dá lugar a de um povo indo ao encontro da noite escura da alma.

Um dos personagens mais emblemáticos de Brad Pitt no cinema foi Tyler Durden, em Clube da Luta. Ele gostava de repetir uma frase: “Você não é o seu emprego, não é conteúdo de sua carteira, não é o dinheiro que tem no banco”.

Em certo sentido, eu vou ter que discordar.

 

Para ir além

O Demônio do Meio-Dia, Andrew Solomon, Companhia das Letras, 584 págs.

 

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