Aeroporto de mosquito

Primeiro, foi a Karen.

Estávamos os três sentados em torno de uma mesa na sala do apartamento, com a cerveja no fim, quando ela levantou pra conseguir a famosa garrafa-de-qualquer-coisa-esquecida-no-fundo-do-armário-que-deve-dar-pra-beber-com-suco-de-laranja-e-vai-salvar-a-madrugada. Como tenho 1,90m de altura, é difícil alguém conseguir olhar pro topo da minha cabeça, mas naquela configuração ela teve uma visão privilegiada. Apontou e anunciou, com muito mais entusiasmo na voz do que a gravidade do momento exigia:

– Olha, ele está ficando careca!

O Glauco imediatamente se interessou por aquele drama pessoal se desenrolando diante dos seus olhos e também se levantou, a fim de analisar o meu cocuruto:

– É, está mesmo.

– Careca! – repetiu a Karen, alegremente.

– Não há dúvida, careca – confirmou o Glauco.

Depois, foi minha mãe:

– Meu filho, você percebeu que está ficando careca?

– É, eu sei. Ouvi a respeito.

Pra ser franco, não chega a ser uma novidade. Estou ficando careca há muitos anos, desde que fui obrigado a cortar minha longa juba pra evitar que os chumaços de cabelo ficassem rolando pela casa como as bolotas de feno levadas pelo vento em um desenho animado antigo, mas agora o processo parece ter se acelerado irremediavelmente.

A genética é a força mais poderosa do Universo – depois da inércia –, e diante da tragédia iminente, o que pode fazer um pobre filho do Terceiro Mundo, sem a grana do Renan Calheiros pra financiar a reforma do telhado?

Em um site, num desses cadernos que te ensinam a “viver bem”, leio que “a alopecia androgenética é considerada a forma mais comum de perda de cabelos entre os homens, ocorre de forma progressiva e afeta mais de 50% da população masculina acima dos 50 anos”. (Eu, que mal acabei de completar 34, sei que o mundo é um lugar injusto.) Sou também informado de que os xampus antiqueda não passam de um diabólico estratagema de indústrias malandras pra enganar o pobre e desprotegido careca.

No mesmo texto, me dizem que não há cura visível no horizonte e serei decisivamente privado de meus encantos. Não corro, no entanto, muitos mais riscos do que isso: a maior exposição ao sol aumenta a possibilidade de um câncer de pele, mas nada que possa impressionar um traquejado fumante.

Em outo link, descubro que no ano passado um estudo feito com um medicamento para retardar a calvície identificou em homens jovens um maior risco de ansiedade, depressão e pensamentos suicidas. De modo que melhor não. Ainda não estou pronto pra dar meu último salto na escuridão.

E se eu apenas comprasse um chapéu? Muito hipster. Depois disso, qual seria o próximo passo lógico? Uma camisa florida? Estampada com abacaxis? Frequentar bares que tocam jazz e por algum motivo preferem ser chamados de “cafés”?

Mas, e se o chapéu me desse o charme durão de Clint Eastwood? Também não. Me faltariam ainda o poncho e os sedutores olhos azuis. Onde está a genética quando se precisa dela?

Me apego, então, a uma lembrança da infância, de um episódio de “Doug” (aquele mesmo, apaixonado pela Paty Maionese) em que ele enfrenta, como eu, a desgraça da queda capilar, o tenebroso arbítrio do destino. Um dos personagens diz: “Deus colocou muitas cabeças no mundo. De algumas ele não gostou, e então cobriu com cabelo”. É, vai ter que servir.

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