um corpo no corre

acho meio embaçado tomar banho no trampo mas sábado passado desci com muda de roupa sabonete toalha e havaianas. não tô mais lavando o cabelo todo dia. tão me chamando de Belo agora que descolori. uma vez pedi pra passar a 1 e o cabeleireiro me perguntou no espelho

– a 1 em tudo? não quer um degradezinho do lado?

– o senhor quer me deixar com pinta de milico pô?

– não quero te deixar com cara de febem

– o que eu quis dizer foi

– foi o que você disse. com licença

levantei e saí.

já me declarei branco, moreno, indígena, negro não retinto, brasileiro… quantas formas de se ver já passaram pela nossa cabeça? uma das fitas que aprendi com meu trampo é que duas pessoas não bebem o mesmo café. paladar e olfato variam de pessoa pra pessoa, de lugar pra lugar. isso não significa que elas não possam descrever o que sentem, concordar, discordar, falar da vida, dessas coisas que falamos com xícaras nas mãos. não sei como vocês fazem pra respirar fundo e se encontrar mas às vezes subo no terraço do trampo, apoio o café no beiral, vejo os prédios da Visconde de Guarapuava, vejo que a cerâmica branca retém o líquido encorpado. enquanto tirava as paradas no armário que tem meu nome, entraram no vestiário

– ô gay

– fala pa nóis

– vim pegar seu tabaco agora pouco, vi que tinha dois livros com seu nome na capa aí dentro, uma havaianas, e me lembrou de quando a gente trampava junto na Caramelo lembra?

– lembro maninha

e você já escrevia e mostrava pra gente, e era como se você tivesse começando a fazer o que tá no seu armário hoje

– e é isso. bom lançamento

o Plural divulgou o evento. por conta das restrições teve gente que não conseguiu entrar, pela falta de clima teve gente que preferiu não ir. lancei meu primeiro corre na poesia junto de dez outras pessoas que publicaram livros esse ano também. foi daora. conheci gente que curtia as crônicas aqui do jornal, gente que me perguntou sobre o que eram meus livros, vendi alguns, troquei outros, escrevi dedicatórias. antes de entregar pra pessoas, eu olhava pra capa. já sonhei mais de uma vez que tô lançando um livro, algumas pessoas pra ver qual é e, quando vejo perto do título, não é meu nome que tá junto. a gente nunca sabe quando sonha com alguma coisa pela última vez mas às vezes sente, sabe, sei lá, quando o que acontece vai ficar na memória. o que que vai, pra quem que vai, por quanto tempo vai, isso não faço ideia. sei que bora. vamo seguindo.

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