alvo sem ser Dumbledore

semana passada aqui no centenário um cara e uma mulher tavam tirando a tapa o motorista da barca. ele perigou passar por cima do carrinho de bebê. deu mó escarcéu. imagine se alguém tivesse um cano? segundo boletim do instituto médico legal o congolês de 24 anos Moïse Kabagambe parou de reagir depois da trigésima sexta paulada. deram trinta e nove nele. também no rio de janeiro, na noite de aniversário de Iemanjá, Durval Teófilo Filho não teve tempo de ler histórias pra filha dormir porque seu vizinho deu três tiros nele. Durval tinha 38 anos e era negro. eu tenho 31 e agradeço quando volto da luta.

quebram as ondas. quebram as ondas.

Olodumare fez o mundo e deu pra cada orixá uma responsa diferente. quem não gostou foi Iemanjá. Exu ganhou o poder da comunicação e a posse das encruzilhadas. Oxóssi o patronato da caça e da fartura. Oxum o zelo pela feminilidade e o amor. Obaluaê o controle das epidemias. Oxumarê o arco-íris e o poder de comandar a chuva. Xangô os trovões e a lei. Ogum o comando da guerra. Iansã os raios e o reino dos mortos. Euá o governo dos cemitérios. Nanã as sabedorias mais antigas.  Oxalá o privilégio de criar pessoas. o que Iemanjá não gostou foi geral receber um poder na terra e ela acabar incumbida de cuidar da casa e da comida de Oxalá. dizia se sentir uma escrava e tanto ralhou na orelha do orixá que a cabeça dele ficou louca. Iemanjá não queria o mal de Oxalá. queria uma responsa na terra. com muitos cuidados curou a cabeça dele e Olodumare ficou sabendo. fez dela protetora dos oris de todas e todos os mortais. assim ela ficou conhecida como a rainha das cabeças. assim ela sacode o mar se nos tocam com violência.

Jéssica Regina Macedo Carmo tinha 31 anos e passava pelos últimos dias de gestação quando levou um tiro de espingarda. na cena do crime tava só ela e o marido. George Breu. ex-vereador. alegou que o disparo acidental foi durante uma briga. Jéssica chegou a ser levada pro hospital mas nem ela nem a criança sobreviveram. isso na cidade de santo estevão, bahia. em pimenta bueno, rondônia, Gabriel Henrique Santos Souza Masioli pediu dois dias pra contar a esposa que Antonieli Nunes Marques estava grávida. Gabriel e Antonieli se envolviam há quase um ano. uma baia era a alugada para os encontros. eles tavam de conchinha na madrugada de 3 de fevereiro quando ele aplicou um mata-leão nela. só soltou porque deixou de sentir os braços. depois sentou no chão e chorou. quando viu que ela se mexia foi até a cozinha. pegou uma faca. Antonieli tinha 32 anos.

quebram as ondas. quebram as ondas.

geral dizendo que tanto tempo na pandemia deixou o mundo doente mas em 2020 uma mulher foi assassinada a cada seis horas e meia no brasil. ainda não sei se a gente tem salvação. diferente do que pensava não boto fé que a saída tá na ironia. pelo menos não a da porta da frente. quem é que sabe. escrevo como quem olha no olho e a rua que me ensinou isso tem nome de poeta. rolou em 2018.

tava subindo a júlia da costa com uma parceira quando um cara atravessa e dá boa noite. dali até o tubo tinha mais poste. a parceira seguiu sozinha. desci com o cara até o pico onde eu morava e ele conta o porque de ter sido preso. matou a namorada. pedi pra ele esperar enquanto eu subia fazer o corre mas ele disse que se ficasse a polícia levava. subiu as escadas atrás de mim. esperou na sala  enquanto eu pegava os bagulho no quarto. desodorante. moletom. bolacha. grana do cofrinho. já lá em baixo ele do meu lado pergunta

– e você faz o que piazão?

– sou escritor. trampo numa confeitaria também

– vish… tenho várias fita pra te contar

– uma pra cada cicatriz

ficou um tempo sem camisa. depois abri o portão pra ele. o aperto de mão da despedida também foi firme e

– sabe porque que eu não fiz nada com vocês lá em cima piazão?

– por quê?

– porque você não é patife

– patife não olha no olho

aí soltamos. subindo as escadas pensei se com lá em cima ele quis dizer lá em cima no ap que eu alugava com a piazada ou lá em cima perto do tubo. peguei o celular. a parceira já tava no bonde.

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