Caminhar

Caminho só. Só, caminho dentro de mim, dentro das pessoas, por sobre os sentimentos que vagam nos vãos humanos. Não há outros. Só, caminho desprovido dos óculos e pouco ou nada enxergo em obstáculos à minha alma.

Só, o sol me lambe aberto em céu azul que me surge de todas as cores. Só, caminho só dentro de uma cela mesmo como espaço do mundo a caminhar. Só, acordes rurais ou musicais dos Beatles tomam conta de mim, sem pedir licença.

Sinto o carinho dos ossos de meus netos, filhos, mulher, parentes, amigos, conhecidos, vizinhos, velhos e novos, a me cutucar na expectativa do riso.

Só invado notas musicais que solam “Jesus, Alegria dos Homens” no violão do Toquinho, tão simples, tão lindo, ou será que é a magnitude e pompa da Orquestra Filarmônica de São Petersburgo? Engraçado, se a ouvi três vezes foi muito, mas os gestos quase teatrais de seu maestro e a afinação de seus instrumentos musicais me chegam com nitidez daqui.

Estreitos são os caminhos escuros de Auschwitz, por onde atravesso vielas com cheiros de cérebros torrados em fornos; salto, lacrimejante, essas vielas macabras e me percorro o esgoelar dos galos em campinas. Quando dou por mim, as pernas estão exaustas e o caminho continua solitário.

Tento, junto a Cristo, expulsar os mercadores dos templos. Mas, eles são invisíveis, trancafiados em seus bunkers inacessíveis, em linguagem ininteligível, só compreensível em seus dialetos.

Peço bênção ao Papa Francisco, à sua alvura de vestes e à sua divina clareza sobre o que pensam e como agem os homens. Drummond e a voz dolorida de Mercedes Sosa embirram minhas cordas vocais caladas. Há poesia por todos os lados desta solidão em sacolejos do dia. Helena me diz: é assim, querido, a vida é assim, em letrinhas miúdas de enxergar.

Só, caminho com saudades, tantas. Todas as saudades do mundo. Sentimentos misturados me empurram ao socorro das árvores, nas quais sabiás ensaiam o final da tarde. Sorte a minha não haver seriemas por aqui. Seria demasiado triste para quem caminha dentro de si. Recolho restos de sol em meu peito. O prédio está silente e a casa me abre as portas para as teclas.

Sobre o/a autor/a

Rolar para cima