O diretor do universo

Deve existir um diretor do universo. Alguém que criou e comanda uma sofisticada máquina de simulações matemáticas, encaixes temporais, equações que definem caminhos paralelos, cruzados ou perpendiculares, cálculos complexos capazes de provocar acontecimentos que depois chamamos de coincidências ou destino ou bênção ou sorte.

Deve ter sido por isso que eles jamais se encontraram na universidade. Mesmo que, no segundo ano, um dos mais próximos colegas dele tenha desistido do curso que faziam juntos e passado em outro vestibular, no mesmo ano e no mesmo curso que ela – e se tornado então um dos seus colegas de turma mais queridos. Mesmo que, depois disso, ele tenha atravessado algumas vezes o pátio do campus, onde ela muitas vezes aproveitava o sol, para encontrar o ex-colega na cantina do outro prédio, onde ela talvez estivesse na mesma hora.

Assim, talvez tenham estado muito próximos mais de uma vez, mas o diretor do universo percebeu o risco e disse: ainda não, ainda faltam 40 anos. E acionou o botão de desviar caminhos.

O diretor ainda precisaria interferir de novo 15 ou 16 anos depois, quando ela teve o primeiro filho e ele também teve o seu, e ambos decidiram com seus companheiros dar aos meninos o mesmo nome, e todos os seis passaram a frequentar o consultório do mesmo pediatra. E passaram tantas horas na mesma sala de espera que talvez o diretor tenha precisado apertar o botão de adiar encontros, depois de calcular: ainda faltam 15 anos.

Talvez isso tenha começado ainda mais cedo, pois depois que finalmente se encontraram e ele viu uma foto dela tirada na Foto Brasil, na Rua XV, contou que nunca saiu de sua memória uma manhã em que, ainda criança, andava por essa mesma rua com o pai e o irmão e, num cruzamento, passou por uma garotinha, e eles se olharam fixamente por um tempo, até que estivessem de costas um para o outro. Ninguém nunca saberá se também esse encontro faz parte do mesmo roteiro, mas não se pode duvidar da direção do universo.

Certo é que cada um viveu, ao longo de décadas, os encontros que lhes foram permitidos, e que tinham que ser, e que foram os melhores que poderiam ser no seu tempo. Tiveram outros filhos e vários empregos, conquistaram, perderam, amaram, sofreram. Escolheram móveis para quartos de nenê na mesma loja, compraram livros do mesmo velho comunista que visitava locais de trabalho carregando a mala cheia de obras em papel-bíblia. Foram felizes, e às vezes infelizes, cada um à sua maneira.

E então, num sábado de sol, decidiram, cada um no seu canto, ir ao lançamento de um livro escrito por uma amiga comum. Nenhum dos dois estava mais casado, e o diretor do universo, tomando ciência daquelas duas decisões convergentes, pensou inicialmente que havia chegado a hora. Mas por via das dúvidas recorreu ao computador da vida e verificou que ainda faltavam três meses e, vendo que o rigor dos planos siderais estava prestes a ser quebrado, procurou no enorme painel o botão de atrasar. E assim, a irmã com quem ela tinha combinado de ir à livraria perdeu a hora e ela não foi ao lançamento no fim da manhã, como pretendia, mas no começo da tarde, depois que ele já tinha ido embora.

Semanas depois, consultando novamente o roteiro, o diretor do universo verificou que o epílogo estava próximo, mas ainda seria preciso que, antes de fazer o que havia anunciado aos amigos e apagar a conta no aplicativo de encontros, no qual ambos tinham entrado só por entrar, ele desse uma última olhada na galeria de pessoas geograficamente próximas. Nesse instante o diretor viu que não precisava fazer mais nada e sorriu seguro de que tudo se dera no tempo certo.

Desde então já se passaram dois anos, e talvez o diretor tenha decidido que já apertou botões demais, e que agora é com eles, porque a vida também pode ser um roteiro aberto.

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